Folha de S. Paulo


São Paulo compra merenda com sobrepreço, aponta TCE

Apuração do TCE (Tribunal de Contas do Estado) sobre a compra de merenda escolar pelo governo de São Paulo concluiu que o Estado não obedece à lei que determina a aquisição de itens da agricultura familiar, não tem controle sobre esse tipo de compra e tem pago todos os produtos com sobrepreço.

A fiscalização foi feita no primeiro semestre, paralelamente à Operação Alba Branca, que investiga um suposto esquema de fraudes e pagamentos de propina justamente na compra de alimentos da agricultura familiar.

Em junho, em resposta ao TCE, a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) informou que, após a Alba Branca ser deflagrada, em janeiro, decidiu rever procedimentos internos.

Bruno Poletti - 26.abr.2016/Folhapress
SAO PAULO, SP, 26.04.2016: Geraldo Alckmin - Lancamento do livro Justica Comentada, Pareceres de Direito Publico e Direito Constitucional, de Alexandre de Moraes, Secretario de Seguranca Pública de Sao Paulo. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress, FSP-MONICA BERGAMO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB)

A pasta fez parceria com a Esalq (escola de agricultura) da USP para revisar os preços das chamadas públicas, um tipo de licitação menos rígido permitido por lei para o caso de pequenos agricultores.

"Por meio da metodologia aplicada, os pesquisadores demonstraram que em todas as chamadas públicas havia sobrepreço", reconheceu o governo estadual ao TCE.

Por exemplo: o suco de laranja de 1 litro, que nas cooperativas custa de R$ 4,37 a R$ 4,59, saiu nas chamadas públicas de 2015 por R$ 6,62 –ao menos 44% mais caro.

O quilo do feijão preto, que nas cooperativas varia de R$ 1,67 a R$ 4,87, custou ao Estado R$ 5,09.

No ano passado houve certames para a compra de quatro tipos de produtos de pequenos agricultores: feijão preto, leite em pó, suco de uva e suco de laranja integrais.

A lei federal que visa estimular a agricultura familiar e oferecer alimentação saudável às crianças diz que no mínimo 30% dos recursos repassados aos Estados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) devem ser usados na compra de itens de pequenos produtores.

A norma é de 2009. O governo de São Paulo realiza as chamadas públicas desde 2011, mas só agora constatou-se a "não obediência" à lei.

O percentual no Estado, segundo o TCE, esteve sempre abaixo dos 30% exigidos, embora os valores absolutos empregados nesse fim tenham subido de R$ 13 mil, em 2012, para R$ 8,2 milhões em 2014.

Contudo, segundo o TCE, como o governo não faz um "controle paralelo somente do saldo da agricultura familiar", é impossível saber qual foi o percentual destinado.

RECOMENDAÇÕES

O TCE recomendou ao governo: 1) identificar as dificuldades dos pequenos produtores para participar dos certames; 2) aplicar 30% dos repasses do FNDE nesse tipo de alimento; e 3) manter um controle paralelo do montante destinado à agricultura familiar, "de modo a permitir um acompanhamento e uma fiscalização transparentes".

A Alba Branca apura um esquema que teria se beneficiado de brechas na execução e na fiscalização do programa estadual da merenda.

A Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) vendeu ao Estado, de 2013 a 2015, mais de R$ 13 milhões em suco de laranja como se ele viesse de pequenos produtores. Na verdade, a cooperativa comprava o suco de grandes indústrias e o revendia mais caro, como se fosse orgânico.

Uma CPI na Assembleia Legislativa apura o caso. Até agora, ex-membros da Coaf inocentaram políticos, mas acusaram um servidor de receber propina: Jéter Rodrigues Pereira, ex-assessor do gabinete do presidente da Casa, Fernando Capez (PSDB).

OUTRO LADO

A Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou à Folha, em nota, que cumpre a lei federal que determina que 30% dos recursos do FNDE sejam utilizados na compra de produtos da agricultura familiar, mas fez uma ressalva.

"Devido ao tamanho da rede paulista, cerca de 1,8 milhão de refeições diárias, pequenos agricultores não conseguem fornecer as quantidades necessárias para que os processos de contratação sejam concluídos."

Ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) a pasta afirmou que o orçamento previsto para esse fim "foi executado de forma parcial".

O levantamento da Esalq-USP que apontou sobrepreço, de acordo com a nota, é uma das medidas saneadoras adotadas pela pasta e, diante dos resultados, resolveu-se criar critérios próprios que vão além das recomendações do fundo federal.

"A fiscalização foi fortalecida e passaram a ser exigidas informações referentes a contatos, endereços e demais dados [dos produtores] que atestem que as cooperativas cumprem os requisitos necessários, o que amplia a isonomia e idoneidade do processo de contratação dos pequenos agricultores", informou.

A secretaria afirmou ainda que as chamadas públicas feitas em 2015, em que detectou-se sobrepreço, foram canceladas, "como uma medida para evitar novas tentativas de fraude, cumprindo recomendações da Corregedoria Geral da Administração".

O servidor da Assembleia Jéter Rodrigues Pereira, citado na CPI, nega as acusações.


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