Folha de S. Paulo


Análise

G-20 dará lastro internacional que Temer cobiça

Alan Marques - 16.mai.16/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 16.05.2016. O presidente interino da República, Michel Temer, participa da Cerimônia de Recepção da Tocha Paralímpica, no Palácio do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
O agora presidente da República, Michel Temer, em evento dos jogos paraolímpicos

Após meses de espera e de troca de informações entre líderes estrangeiros e suas embaixadas sobre as diretrizes de um novo governo, a viagem de Michel Temer à China, para participar do G-20, vale mais como lastro de que ele é o presidente do Brasil do que como teste internacional.

Este também virá, mas é esperado para a Assembleia Geral da ONU, cujo segmento de líderes começa em Nova York no próximo dia 20 com Temer no púlpito (por protocolo, o líder do Brasil é sempre o primeiro a falar no evento).

O que o peemedebista precisa —e deve— obter neste fim de semana, quando desembarcar em Hangzhou para debater questões econômicas e dilemas políticos globais com os representantes das outras 19 maiores potências do planeta, é o carimbo de líder legítimo do Brasil.

Depois disso, virá uma maratona de viagens que se estende ao menos até o fim de outubro e na qual ele poderá exercer a chamada "diplomacia presidencial" -algo pelo qual, segundo interlocutores, o novo presidente mostra mais apreço do que sua antecessora, Dilma Rousseff, cassada pelo Senado nesta quarta-feira (31).

Temer é descrito como desenvolto nesse campo.

Entende o peso das relações exteriores e não mostra o mesmo enfado de Dilma com questões e protocolos diplomáticos. Gosta de circular entre outros líderes e pode encontrar no argentino Mauricio Macri, de centro-direita como ele, o parceiro favorito que não teve a petista.

Falta-lhe, porém, a naturalidade com línguas estrangeiras que tinha Fernando Henrique Cardoso. Apesar de ler bem em outros idiomas, seu inglês é descrito como instrumental; de vocabulário restrito a termos jurídicos e a apresentações amigáveis. Seu espanhol é portunhol.

Falta-lhe também uma história pessoal conhecida e admirada como a de Luiz Inácio Lula da Silva, que contribuiu para forjar a aura de popstar em cúpulas internacionais.

Por causa disso e do momento global, com tantos países mergulhados em problemas domésticos graves, é difícil esperar que o Brasil reconquiste o peso que teve sob FHC e principalmente sob Lula. Mas deve haver avanço em relação a Dilma, e os próximos 60 dias serão cruciais.

TURNÊ INTERNACIONAL

Além de Hangzhou e Nova York, Temer irá à cúpula dos Brics (com China, Rússia, Índia e África do Sul) em Goa, nos dias 15 e 16 de outubro. Uma visita ao Japão está em negociação para logo depois.

Outra viagem acertada é uma visita a Macri no início de outubro —a parceria com a Argentina já se mostrou, dos dois lados, um vértice da reconfiguração regional.

Por questões de protocolo e não de política, ao longo de seus mais de cem dias de interinidade Temer não recebeu os cumprimentos que chegam com a presidência.

A situação do Brasil era peculiar, com uma presidente afastada e um interino, e não caberia a líderes estrangeiros escolher entre eles (ainda que alguns o tenham feito ).

Esse ritual será cumprido agora, e o Itamaraty corre para fechar o máximo possível de encontros bilaterais paralelos durante o evento na China para garantir esse lastro. A reunião com o chinês Xi Jinping é dada como certa; uma com o americano Barack Obama não está descartada.

As expectativas em relação à performance de Temer, porém, são exíguas —e mais internas do que externas.

As diretrizes externas já ficaram claras durante a interinidade: uma reaproximação maior de parceiros tradicionais ao norte, como EUA e Europa, um distanciamento dos vizinhos bolivarianos com direito a atritos, o papel central da Argentina e, acima de tudo, pragmatismo econômico para nortear a agenda.

Tampouco há grande interesse de outros governos em detalhes do complexo processo institucional no Brasil.

Salvo pelos mais apaixonados, a troca de presidentes é vista como "business as usual", sem entusiasmo nem condenações. Governos estrangeiros aguardavam, isso sim, a dita "normalização".

Com a economia rateando no Brasil e em boa parte do mundo, o fim da incerteza deve ser suficiente para que investimentos e parcerias até então em suspenso retornem, devagar, aos trilhos.


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