Folha de S. Paulo


Em discurso no Senado, Dilma diz temer a morte da democracia

Afastada do poder há mais de cem dias e com pouquíssimas chances de mudar o desfecho da crise política, a presidente Dilma Rousseff usou a ida ao Senado nesta segunda-feira (29) para defender sua biografia e dizer ter sido vítima de um golpe parlamentar orquestrado pela oposição ao seu governo e pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

A petista lembrou de sua condenação pelo "tribunal de exceção" da ditadura, e de sua recente luta contra um câncer. Afirmou que, primeiro torturada, e depois, doente, teve medo de morrer. Relacionando os dois episódios ao momento atual, concluiu: "Hoje, eu só temo a morte da democracia".

Diilma foi recebida por um plenário silencioso e, sem aplausos ou vaias, fez um discurso de 47 minutos em que afirmou ser inocente, disse que não cometeu crime de responsabilidade e chamou o governo do presidente interino, Michel Temer (PMDB), de "usurpador".

A previsão é a de que Temer tenha nesta terça (30) –ou na quarta (31), caso o julgamento se estenda– no mínimo 59 votos a favor da destituição de Dilma dos 81 possíveis, cinco a mais do que o necessário para ele ultrapassar a interinidade.

"Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política", sustentou Dilma.

Em linhas gerais, a presidente afastada sustentou aos senadores a tese de que desde o início do seu segundo mandato foi alvo de "boicote" político e parlamentar patrocinado por adversários, o que, segundo ela, contribuiu para o agravamento da crise econômica pela qual passa o país.

Em todos os momentos, fez questão de se dirigir aos senadores com respeito e ponderação e os diferenciou da junta militar que a condenou na ditadura.

"Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores. Sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo", disse.

Ao concluir seu pronunciamento, foi aplaudida por aliados, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o cantor e compositor Chico Buarque, que assistiram Dilma da galeria do Senado.

EMBATE

Após o discurso, replicou a postura respeitosa no embate direto com os parlamentares. Esse era o momento mais temido por aliados da petista, famosa por ser explosiva na adversidade. Nem o confronto com seu adversário nas eleições de 2014, Aécio Neves (PSDB-MG), fugiu ao roteiro da civilidade.

Aécio abriu sua fala dizendo que "não poderia imaginar" que ele e Dilma voltariam a se encontrar "nessa condição". Ele trouxe a temática do estelionato eleitoral para o cenário do impeachment e questionou o quanto Dilma se sentia responsável, por exemplo, pelos 12 milhões de desempregados contabilizados hoje no país.

A presidente usou um elogio a Aécio para alfinetar Temer, dizendo que respeitava o tucano por ele ter disputado "uma eleição direta", mas acusou a oposição de sabotar seu governo e patrocinar as chamadas "pautas-bomba".

Nesse contexto, ela menciona Cunha, que terá seu processo de cassação –ele é réu em dois processos do petrolão– votado em setembro. Afirmando ter sido alvo de chantagem do então presidente da Câmara, que teria exigido do PT apoio para escapar da cassação em troca de barrar o impeachment, Dilma diz que seu governo sofreu um "boicote" no Congresso.

"Tenho a clareza de que se uniram duas forças: a que queria estancar a sangria [da Lava Jato] e a que não queria por fim à crise que o país vivia", afirmou.

Em nota, Cunha disse que Dilma mente e que foi o governo dela quem propôs um acordão.

Senadores aliados à petista deram ao seu discurso um caráter "histórico". Já a oposição disse que a presidente afastada politizou questões técnicas. "Ela sempre fala a mesma coisa, não importa. Se você indagar se ela fez as pedaladas fiscais ou se ela sabe quem matou Odete Roitman [personagem de uma novela dos anos 80], ela vai responder a mesma coisa", ironizou Aécio.

Num dos raros momentos de exaltação, Dilma demonstrou decepção com a fala de José Aníbal (PSDB-SP). "Seu governo já não existe mais. Daqui a algumas horas, sua presidência não existirá", disse o tucano.

Dilma, que militou contra a ditadura ao lado do senador e o conhece há mais de 50 anos, foi direta. "Estou estarrecida que isso tenha partido do senhor, que me conhece há tantos anos."

Mesmo com o esforço da presidente, a avaliação entre senadores é de que a aprovação do impeachment, em votação marcada para esta terça (30), é irreversível. São necessários 54 de 81 votos para que a petista seja cassada, o que a levaria a perder seus direitos políticos por oito anos e transformaria Michel Temer (PMDB) em presidente efetivo até 2018.

Até esta segunda, 52 senadores declaravam apoio ao afastamento de Dilma, 18 se posicionavam contrariamente e 11 não haviam declarado seu voto.

Em cerimônia com atletas olímpicos em Brasília, Temer não quis comentar a performance de Dilma no Senado. Afirmou apenas que aguarda uma definição "com tranquilidade".

Em São Paulo, um ato contra o impeachment na avenida Paulista teve confronto com a polícia, que lançou bombas de gás nos manifestantes.

(DANIELA LIMA, MARINA DIAS, MARIANA HAUBERT, DÉBORA ÁLVARES, JULIO WIZIACK, LAÍS ALEGRETTI E RUBENS VALENTE)

Impeachment dia a dia


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