Folha de S. Paulo


Opinião

Propostas da Procuradoria debatem revisão do sistema punitivo, diz promotora

Uma lista com dez medidas sugeridas pelo MPF (Ministério Público Federal) para o combate à corrupção desperta polêmicas.

De um lado, ganha o apoio de quem vê chances de mudanças na impunidade.

Na outra ponta, recebe críticas entre os que temem excessos entre agentes da lei.

Conheça, a seguir, uma opinião favorável ao pacote e as medidas propostas pelo MPF.

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Justiça se distribui com respeito irrestrito ao princípio do devido processo legal. E penas criminais se aplicam dentro dos parâmetros garantidores do respeito à dignidade humana e da seriedade, efetividade e exemplaridade que devem ter para prevenir.

Esta é a lógica do direito penal. Mas, no nosso Brasil ainda com traços coronelistas, de personalismo mandonista dos "Donos do Poder" de Raimundo Faoro, de patrimonialismo e clientelismo político, até há pouco tempo não se temia qualquer consequência punitiva por praticar corrupção.

Com acertos infinitamente maiores que os erros, vivemos um novo e histórico momento, em que aqueles que se consideravam totalmente intocáveis e imunes à punição estão sendo alcançados e o princípio da igualdade de todos perante a lei começa a ganhar vida no Brasil.

O Ministério Público Federal brasileiro, ao lado da Polícia, da Receita Federal e do Judiciário, está trabalhando na Operação Lava Jato em defesa da sociedade.

INTOCÁVEIS

Assim, de fato, o sentimento de haver intocáveis mudou. Muitas pessoas poderosas que se achavam inatingíveis pela lei estão sendo investigadas, estão presas há bom tempo e já cumprem penas.
Começa-se a acreditar na efetividade da Justiça.

Neste contexto, buscando a legitimação social necessária, o Ministério Público elaborou 20 projetos de lei e apresentou as conhecidas dez medidas contra a corrupção, propondo à sociedade o aprimoramento do controle da corrupção —que necessariamente passa pela reversão do quadro de total impunidade e pela mudança cultural.

Mais de 2,3 milhões de pessoas assinaram o projeto de iniciativa popular.

Não resolve o problema todo porque é imprescindível reforma política, redução do número de cargos de confiança e mudança do marco legal partidário, bem como da lei de licitações, fontes infinitas de corrupção.

Mas é um começo importante debater a revisão do sistema punitivo da corrupção e do processo penal, que deve proteger o cidadão sim, sem ser jamais instrumento de impunidade.

Neste processo, todo o cuidado é necessário para garantir direitos individuais, e o Ministério Público sempre zelará por eles.

Mas o custo social de não punir a corrupção é incomensurável e vem corroendo o Brasil, os direitos fundamentais de cada brasileiro, seus valores morais e democráticos, sua autoestima.

Com maturidade, consciência e prevalência do interesse comum neste debate, mesmo diante das naturais reações contrárias ao funcionamento do sistema, do debate sairá um Brasil mais justo.

LAILA SHUKAIR é promotora de Justiça e presidente do MPD (Movimento do Ministério Público Democrático)

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AS DEZ MEDIDAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Pacote enviado ao Congresso é composto por 20 anteprojetos de lei que se apoiam em dez eixos

1) Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação

Ações práticas: Criar testes de integridade, com simulações de suborno sem o agente público saber. Ministério Público passa a garantir o sigilo da fonte

O que diz o MPF: Testes são incentivados pela ONU e úteis em alguns países. Ninguém será condenado com base apenas na palavra de um informante confidencial

Argumentos contra: A ONU só apoia testes em países com leis para regulá-los; sigilo não permite ao investigado confrontar versão, diz Renato Vieira, do IBCCrim

2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos

Ações práticas: Tornar crime o enriquecimento ilícito, com pena de 3 a 8 anos de prisão, mas passível de substituição no caso de delitos menos graves

O que diz o MPF: A criminalização garante que o agente não fique impune até quando não for possível descobrir ou comprovar os atos específicos de corrupção

Argumentos contra: —

3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores

Ações práticas: Subir a pena para corrupção de 2 a 12 anos para 4 a 12 anos. Escaloná-la segundo o valor desviado, indo de 12 a 25 anos se passar de R$ 8 milhões

O que diz o MPF: As penas aplicadas são normalmente inferiores a quatro anos e perdoadas depois do cumprimento de um quarto. Assim, crime compensa

Argumentos contra: "O juiz já pode fixar pena acima de quatro anos. Eles [do MPF] precisam tentar mudar a mentalidade dos juízes, e não mudar a lei", diz Vieira

4) Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal

Ações práticas: Executar a condenação quando for reconhecido abuso do direito de recorrer; executar pena após condenação em segunda instância

O que diz o MPF: Ações com réus de colarinho branco demoram mais de 15 anos em tribunais após a condenação, pois as defesas protelam até a prescrição

Argumentos contra: Há condenações revistas em tribunais superiores, diz Hugo Leonardo, do IDDD; o direito ao recurso não pode ser considerado como abuso

5) Celeridade nas ações de improbidade administrativa

Ações práticas: Criar varas, câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e ações decorrentes da lei anticorrupção

O que diz o MPF: Ações de improbidade são mais complexas e, nas varas comuns, são deixadas de lado pelos juízes, que agilizam antes os casos mais simples

Argumentos contra: —

6) Reforma no sistema de prescrição penal

Ações práticas: Mudar Código Penal para, entre outras coisas, evitar que o prazo para prescrição corra enquanto se espera julgar recursos ao STJ e ao STF

O que diz o MPF: Estudo recente mostra que, entre 2010 e 2011, a Justiça deixou prescrever 2.918 ações de corrupção, lavagem e improbidade (11% delas)

Argumentos contra: Assunto já é objeto de projeto de lei e não tem a ver com o combate à corrupção. "É matéria de direito penal", afirma Vieira, do IBCCrim

7) Ajustes nas nulidades penais

Ações práticas: Incluir causas de exclusão de ilicitude na obtenção de provas. Exemplo: tornar válida prova se obtida por agente público que agiu de boa-fé

O que diz o MPF: O objetivo das mudanças é que só se anulem ou excluam provas de um processo quando houver uma violação real dos direitos do réu

Argumentos contra: Abre-se espaço para que agentes persigam seus fins sem precaução, um perigo num país com grande histórico de violência policial, diz Leonardo, do IDDD

8) Responsabilização dos partidos e criminalização do caixa dois

Ações práticas: Responsabilizar partidos por práticas de corrupção, criminalizar o caixa dois e tornar crime eleitoral a lavagem de dinheiro proveniente de infração penal

O que diz o MPF: O objetivo é estender às agremiações partidárias as exigências feitas a quaisquer pessoas jurídicas

Argumentos contra: —

9) Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado

Ações práticas: Prender para localizar o recurso ilegal, para assegurar sua devolução ou para evitar que ele seja usado na fuga ou na defesa do investigado

O que diz o MPF: Trata-se de uma proteção da ordem pública contra novos crimes. Por se tratar de prisão preventiva, a medida deve ter caráter excepcional

Argumentos contra: Para Vieira, viola a garantia do investigado de não ter que fazer prova contra si mesmo. Ao pagar, ele estaria "assumindo comportamento de culpa"

10) Recuperação do lucro derivado do crime

Ações práticas: Criar o "confisco alargado": tomar a diferença entre o patrimônio comprovadamente lícito e o patrimônio total de um condenado em definitivo

O que diz o MPF: Coloca o sistema jurídico brasileiro em harmonia com o de outros países. A medida atinge apenas o patrimônio de origem injustificada

Argumentos contra: —


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