Folha de S. Paulo


Cardozo acusa relator do impeachment agir com 'paixão partidária'

Evaristo SA/AFP
Cardozo (centro) conversa com o relator, Antonio Anastasia, e o presidente da comissão do impeachment, Raimundo Lira
Cardozo (centro) conversa com Anastasia e o presidente da comissão do impeachment, Raimundo Lira

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo acusou quarta-feira (3) o relator do processo de impeachment de Dilma Rousseff, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), de ter elaborado seu relatório final com "paixão partidária" e não com rigor legal. Assim, o tucano teria feito "malabarismos retóricos" para comprovar o crime de responsabilidade.

"Eu pessoalmente tinha uma grande expectativa em relação a como seria o relatório por uma razão muito simples: conheço o senador, homem correto, jurista. E, diante das provas dos autos, de tudo aquilo que foi provado pela perícia, pelas testemunhas, pelos documentos, tinha eu uma expectativa: conseguiria o senador se libertar da paixão partidária e olhar os autos, olhar as provas, olhar direito? Conseguiria ele utilizar todo o potencial que sempre teve para buscar a verdade, ao invés de curvar-se à paixão?", questionou Cardozo, advogado de defesa da presidente afastada.

"Com todas as vênias, o nobre relator, com toda a sua genialidade, não conseguiu isso; conseguiu defender com o brilhantismo de praxe a tese do seu partido, mas, efetivamente, ele não conseguiu reunir e captar a verdade desses autos", completou.

Para ele, Anastasia foi obrigada "pela paixão e não por má-fé" a fazer algumas concessões aos elementos probatórios reunidos ao longo do processo.

Cardozo analisou o relatório apresentado por Anastasia nesta terça à comissão especial do impeachment no Senado. Antes do advogado, os integrantes da comissão também discutiram o parecer por mais de cinco horas. Cada um pode falar por até oito minutos. Antes dele, o advogado da acusação, João Correia Serra, também falou por cerca de 20 minutos.

O advogado de Dilma afirmou ainda que Anastasia não conseguiu esclarecer como a edição de decretos de crédito suplementar editados pela presidente feriram a legislação porque, de acordo com ele, os decretos não feriram a meta fiscal traçada na época e, por isso, não ensejaram nenhum gasto extra.

Cardozo também acusou o tucano de, "na ânsia e na necessidade de reunir provas que não tinha", ter sido obrigado a "truncar depoimentos" das testemunhas arroladas tanto pela acusação quanto pela defesa.

Por diversas vezes, Cardozo afirmou que o tucano cometeu erros em seu parecer ou fez manobras retóricas no documento por "paixão partidária". "Por causa disso, o senhor não pode fazer concessões a nenhum tipo de prova", disse.

Cardozo reclamou ainda que Anastasia não discutiu a tese do desvio de poder em seu relatório. "Que medo têm os senhores de discutir isso? De discutir que há ou não uma condução deliberada para afastar a presidente do seu cargo", disse. Esta foi a última vez que Cardozo pode falar durante o processo. Ele só poderá se pronunciar novamente se Dilma não comparecer ao julgamento final.

Após a fala do advogado, Anastasia afirmou que não poderia fazer comentários porque, pelas regras do processo, a defesa é a última a falar em cada etapa. "Falarei em plenário. A despeito da paixão, não posso falar agora. Mas muitas vezes sou criticado justamente por ser muito frio", disse.

A discussão do relatório pelos senadores foi marcada pela explicitação dos posicionamentos de cada lado. Os senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma elogiaram o parecer e referendaram os argumentos apresentados por Anastasia para a condenação de Dilma.

Já os aliados da petista criticaram o relator e acusaram o seu parecer de ser incompleto e de suprimir fatos apontados por testemunhas e por documentos entregues à comissão.

O relatório de Anastasia será votado pela comissão nesta quinta, às 9h. Os senadores registrarão seus votos em um placar eletrônico e a expectativa é de que o processo acabe antes do meio-dia. Assim, os trabalhos da comissão especial se encerrarão amanhã.

Se aprovado, o relatório será apreciado pelo plenário do Senado na próxima terça (9), em uma votação prévia. O julgamento final deve acontecer no fim do mês.

POLÊMICA

O início da sessão desta quarta foi marcada por protestos da oposição sobre a data de início do julgamento final da presidente Dilma. Para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da oposição no Senado, Temer está interferindo indevidamente na Casa e no STF para pressionar pela antecipação do início do julgamento do impeachment.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) endossou o colega e disse que não vê ânsia da sociedade para que o processo termine rapidamente. "Essa ânsia é apenas desses senadores golpistas", disse.

Os senadores acusaram Temer de fazer pressão sobre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para que a votação comece na semana de 25 de agosto e não no dia 29, como foi inicialmente divulgado pela assessoria do STF no último fim de semana.

Nesta terça, Renan defendeu a data antecipada depois de ter almoçado com Temer e outros senadores do PMDB. Ele sugeriu, inclusive, que a Casa pudesse trabalhar durante o fim de semana, algo que antes era rechaçado por ele.

De acordo com o presidente da Comissão Especial do Impeachment, Raimundo Lira (PMDB-PB), Lewandowski o informou nesta terça que não marcará sessões no sábado e domingo por considerar que isso não é praxe do senado. Ele não quer dar margens para questionamentos em relação ao rito.

Segundo Cardozo, a defesa não vê problemas se a votação começar em 25 ou 26 de agosto. "Para nós, é absolutamente indiferente. Mas não podem interferir no nosso direito de defesa. Que não castrem o nosso direito ou atropelem o processo. Ele tem que andar com agilidade mas sem açodamento", disse.

O ex-ministro, no entanto, criticou a gestão feita por Temer na questão e se disse estarrecido pela articulação feita pelo governo. "O que chama atenção é o presidente interferir. Isso não pode ser possível. Ele pode ir para a China como interino, não há problema algum nisso. Agora, ele interferir é uma incorreção republicana em todos os sentidos. Ele é o principal beneficiário deste processo", completou.


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