Folha de S. Paulo


Rejeição a políticos mina reformas, dizem pesquisadoras

Eduardo Knapp - 16.ago.2015/Folhapress)
GALERIA - O CAMINHO DO IMPEACHMENT - Terceira manifestação contra o governo ocorre em 169 cidades em 16 de agosto de 2015. Nas 27 capitais, PM estima público de 612 mil. Datafolha contabiliza 135 mil na avenida Paulista
Terceira manifestação contra o governo ocorre em 169 cidades em 16 de agosto de 2015

Estudo das pesquisadoras Angela Alonso, da USP, e Ann Mische, da Universidade de Notre Dame (EUA), atenta para o desnível entre a rejeição generalizada da população aos políticos e as demandas por melhorias públicas.

Em artigo, as autoras refletem sobre os limites do anti-institucionalismo, a marca do ciclo de protestos populares iniciado em junho de 2013.

"Depois de 'se livrar dos vândalos', vem o quê?", questionam. O aprimoramento de serviços sociais, da infraestrutura urbana e da responsabilização de agentes públicos –que são a essência das demandas nas manifestações– depende do funcionamento efetivo do governo e da eleição de pessoas comprometidas com essas pautas, observam.

"Apesar de suas limitações, os partidos políticos são o mecanismo que fazem a ponte entre as aspirações sociais e as estruturas de governo", argumentam. "O forte repúdio aos partidos políticos pode, assim, minar a possibilidade de se implementar as reformas esperadas pelos manifestantes."

Alonso, que também é presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), e Mische realizam um estudo em andamento sobre a composição dos protestos populares desde 2013.

Em artigo preliminar que publicaram no "Bulletin of Latin American Research", as autoras observaram que a polarização no perfil dos manifestantes vem se aprofundando desde então.

Desde a redemocratização, protestos populares tiveram orientação predominantemente de esquerda. A partir dos atos de junho, uma composição mais eclética passou a tomar as ruas.

Em março de 2015, grupos de direita ganharam visibilidade, com o clamor contra a corrupção e contra a presidente agora afastada, Dilma Rousseff e o PT.

"As mudanças provocam discussões sobre a 'crise de representatividade', levando à formação de novos grupos, tanto de esquerda quanto de direita", escreveram Alonso e Mische. "Não está claro qual relação esses movimentos desenvolverão com a política institucional."

EXPECTATIVA

Em março deste ano, houve o maior protesto registrado do país, pedindo o impeachment de Dilma.

Quando ela foi afastada, em maio, passeatas contrárias fizeram barulho. Mas, desde meados de junho, os atos se encolheram.

Até o final de julho, terão sido quase dois meses sem grandes manifestações –grupos contra e a favor da permanência do presidente interino, Michel Temer (PMDB), marcaram atos para o dia 31.

"Houve uma redução da ira", afirmou o historiador José Murilo de Carvalho. "Mas ainda vejo um pessimismo generalizado em relação ao país. Não há apaziguamento, não, mas uma expectativa."

O historiador notou que quando Fernando Collor foi eleito presidente da República, em 1989, havia, como há hoje, forte rejeição ao governo. Mas a diferença é que, agora, nada indica que surgirá uma liderança carismática com a promessa de salvar o país, como ocorreu naquele momento.

"É bom que não haja, porque isso é sempre um perigo", disse Carvalho. "De outro lado, causa preocupação de que não apareça uma pessoa que possa se dizer que represente a volta a uma expectativa positiva em relação aos políticos", ponderou.

O historiador afirmou que a falta de lideranças será suprida após um lento processo de formação, o que significa "mais um adiamento no amadurecimento" da democracia brasileira.


Endereço da página:

Links no texto: