Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Disputas na Câmara têm grande potencial de bagunçar base aliada

Poucas coisas bagunçam tanto a estabilidade parlamentar de um governo como uma eleição tumultuada para o comando da Câmara dos Deputados. A história recente está recheada de rachas profundos, ressentimentos mal-curados e vinganças que desaguam no colo do presidente da República.

O desastre mais conhecido é a eleição de 2005, que levou ao comando da Casa o então rei do baixo clero, Severino Cavalcanti (PP-PE).

Aproveitando-se de uma divisão no PT, entre o candidato oficial da bancada, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), e o dissidente, Virgilio Guimarães (MG), Severino engordou seu capital político com os votos de deputados que aproveitaram para dar um surra no presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua vitória foi sinal de um governo que já começava a dar sinais de fragilidade na Câmara. Meses depois, veio a crise do mensalão.

Fernando Henrique Cardoso foi outro a sofrer com essa maldição. Em 2001, sua base se dividiu entre o ex-presidente da Casa Inocêncio Oliveira, então no antigo PFL (hoje DEM) e tido como favorito, e o insurgente Aécio Neves (PSDB). Foi a eleição que consagrou Aécio como alguém a ser levado a sério, e não apenas dono de um sobrenome famoso. À época com 40 anos de idade, vendeu-se como político moderno em contraste ao velho coronelismo representado por Inocêncio.

Aécio pavimentou sua eleição para governador de Minas Gerais no ano seguinte, mas deixou ressentimentos no PFL que se traduziram no apoio vacilante a FHC e a seu candidato a presidente, José Serra.

E há o exemplo mais recente, do ano passado, quando uma atabalhoada estratégia do Planalto levou à vitória fácil de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contra o petista Arlindo Chinaglia (SP).

Temer, três vezes presidente da Câmara em circunstâncias relativamente estáveis, decerto imaginava que saberia como evitar que a disputa pelo posto pudesse sair de controle. Habilmente, retirou-se pessoalmente da questão e pediu discrição aos articuladores políticos.

Quase teve êxito: até esta terça (12), era amplo o favoritismo de Rogerio Rosso (PSD-DF), candidato da coleção de partidos médios conhecida como "centrão". Corria por fora Rodrigo Maia (DEM-RJ), da antiga oposição ao governo petista.

A entrada em cena de Marcelo Castro (PMDB-PI) turvou o cenário. Uma vitória dele levará os demais partidos aliados a um estado de conflagração contra a hegemonia peemedebista. Uma derrota gerará entre os peemedebistas a sensação de que perderam para o "centrão" a primazia nas táticas consagradas de ameaça, chantagem e intimidação. E que precisam reagir.

Temer terá de agir rápido e gastar muita mesóclise para apaziguar os ânimos. Ou sua solidez parlamentar, um dos poucos trunfos de que dispõe nesse tumultuado início de interinidade, irá para o ralo.


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