Folha de S. Paulo


Para Cardozo, dizer que Dilma tem culpa por decretos é pirueta retórica

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 01-07-2016, 12h00: O advogado da presidente afastada Dilma Rousseff, Jose Eduardo Cardozo, durante entrevista para a Folha. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO*** ***ESPECIAL***
O advogado da presidente afastada Dilma Rousseff e ex-ministro, José Eduardo Cardozo

O ex-ministro José Eduardo Cardozo afirma que o discurso pela condenação da presidente afastada, Dilma Rousseff, no processo de impeachment é "pirueta retórica" dos opositores.

Em entrevista à Folha, Cardozo, advogado da presidente na comissão especial do Senado que analisa seu afastamento, reforça que o recente laudo de três servidores da Casa mostra ausência de dolo no episódio dos decretos de créditos suplementares, um dos dois pontos da denúncia contra ela –o outro é o atraso do repasse do Tesouro ao Plano Safra, a chamada pedalada fiscal.

Cardozo também faz uma autocrítica sobre o envolvimento do PT em escândalos recentes de corrupção.

"Dirigentes petistas jamais poderiam ter errado desta forma e o PT tem que fazer uma reflexão", disse.

Ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União, ele defende o ex-presidente Lula e critica o governo interino de Michel Temer (PMDB).

Segundo o ex-ministro, a tendência é que Dilma não vá à comissão de impeachment na quarta (6), dia reservado para seu interrogatório –neste caso, caberá a ele a defesa.

A previsão é que o julgamento final dela no Senado ocorra no fim de agosto.

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Folha - O sr. diz que a perícia prova que não houve dolo de Dilma nos decretos. Os peritos afirmam que não é objeto da perícia avaliar dolo. Não há uma contradição na defesa?

José Eduardo Cardozo - Nenhuma. De fato a perícia não afirma se há ou não crime. Quem faz isso é o julgador, a defesa, a acusação. Mas há um fato mortal para dizer que não há dolo. Nós perguntamos se a presidente foi alertada se os decretos poderiam ensejar ofensa à meta fiscal. A perícia diz que não, que os órgãos técnicos não informaram a presidente. Quem não é avisado de algo não age com má fé.

Mas é sua interpretação da perícia...

É claro que é minha, mas é impossível dizer o oposto.

Senadores que vão julgá-la dizem que, mesmo assim, houve culpa dela.

É uma pirueta retórica. Está claro que não houve dolo.

A perícia diz que não há ato direto dela em relação às pedaladas, mas afirma que a análise de omissão, se a presidente deveria ou não fiscalizar, cabe aos senadores.

Esse argumento é curioso. Já está claro que não houve o ato. A questão é: a presidente da República deveria fiscalizar o pagamento de um entre centenas de programas? Impossível. A lei não diz que a presidente faz a gestão do Plano Safra.

O laudo é claro em afirmar que a pedalada foi irregular por ser uma operação de crédito e violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com todo respeito, os auditores não são juristas, apenas seguiram a opinião do Tribunal de Contas da União. Discordo porque operação de crédito é empréstimo, que exige acordo entre as partes, prazo de pagamento e cobrança de juros. E não existe isso no Plano Safra.

Dilma também não paga um preço por erros graves cometidos na política e na economia, com um país quase quebrado?

Podemos discutir a política sem problema, mas o momento de decidir se houve acertos ou erro é nas eleições. Não se move processo de impeachment porque discordo da política.

Mas a presidente não costuma reconhecer erros. Na sua opinião, quais erros foram cometidos para que se chegasse a esse processo?

Não tenha dúvida que podemos fazer uma análise política de erros do governo. A própria presidente disse que erramos em vários momentos, mas não podemos discutir isso num processo de impeachment.

O senhor fala em golpe, mas participa do processo, indicando testemunhas, discursando. Não está legitimando algo que diz ser golpe?

Não, porque muitos processos foram feitos na humanidade com exercício pleno de defesa mas com verdadeiras fraudes processuais. É muito importante participar de um processo quando se acredita que possa revertê-lo.

Como está a presidente Dilma?

Falo com ela praticamente todos os dias, pessoalmente ou por telefone. É uma pessoa que a cada dia me surpreende. A firmeza dessa mulher é impressionante. Muita gente pensa que está abatida. Pelo contrário, é uma pessoa que, nas horas mais difíceis, é uma fortaleza.

O que ela tem dito sobre a comissão do impeachment?

Quando pode, assiste às sessões. Ela brincou comigo com situações engraçadas, como aquela do jurista "Thomás Turbando" [quando Cardozo caiu numa pegadinha de assessores]. Ela brincou comigo, de 'onde você tirou essa história'. Aí respondi que na confusão pegaram esse nome.

Qual será a influência do desempenho do governo Temer na votação do impeachment no plenário?

Se tivéssemos um julgamento isento, nenhuma. Porém, é evidente entender como ingrediente. Nenhum governo que nasce com essa ruptura de legitimidade tem condições de fazer uma pactuação. Esse governo já nasce conflituoso. E isso gera um conflito social permanente. A proposta do governo Temer é radicalmente contrária ao que foi aprovado nas urnas.

Várias operações da PF têm sido realizadas recentemente, uma prendeu o ex-ministro Paulo Bernardo [já solto]. É uma PF mais ativa em relação a sua época na Justiça?

O ritmo continua o mesmo de quando eu era ministro, até porque as operações não são decididas em um, dois meses. Seguramente as operações feitas hoje foram investigadas no nosso período. Eu vejo como uma continuidade.

O episódio de nomear Lula ministro foi um erro fatal para o governo Dilma, não foi?

Acompanhei esse processo à distância, mas para mim era muito claro que não havia nenhuma intenção de burlar a jurisdição [da investigação de Lula, de Curitiba para Brasília]. A presidente achava muito importante ter uma pessoa como o Lula para aglutinar forças. Esse episódio da divulgação dos áudios da conversa entre eles, lamentavelmente, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a ilegalidade, trouxe um estrago político incomensurável.

Como o sr. vê a atuação do juiz Sergio Moro na Lava Jato?

É um juiz extremamente competente, mas discordo de algumas decisões, como no caso da busca e apreensão na casa do ex-presidente Lula. Não havia menor fundamento. Muitas vezes um bom juiz toma decisões que nem sempre as pessoas concordam.

O tesoureiro e o marqueteiro do PT estão presos. O seu partido foi pego em situações de corrupção, de desvio de dinheiro público. Não dá para dizer que é tudo uma conspiração, não?

Não generalizo as coisas. Não vou dizer que, pelo fato de haver várias acusações contra o presidente do PSDB, que o PSDB foi pego. Algumas pessoas estão sendo investigadas, algumas no passado foram condenadas no mensalão. Eu faço uma crítica dura, de que dirigentes petistas jamais poderiam ter errado desta forma e o PT tem que fazer uma reflexão. Agora, dizer que é só o PT, é viés ideológico.

Esses petistas erraram como?

Veja, não quero justificar erros individuais de ninguém. Quem errou tem que pagar o preço. Agora, ter participado do sistema eleitoral é correto, o que não poderia é alguns dirigentes nossos terem incorrido em práticas que sempre recriminamos. Mas dizer que essas práticas só incorreram no PT é errado.

O sr. fala em questões eleitorais, mas dois petistas, Lula e José Dirceu, são suspeitos de enriquecimento ilícito.

Vou fazer uma defesa veemente do Lula. Não se pode prejulgar ninguém. Eu não prejulgaria o senador Aécio Neves (PSDB-MG) das acusações, deem a ele o direito de se defender. Vamos dar direito ao Lula de se defender e acho que ele seguramente vai provar sua inocência.

E por que o sr. não defende o José Dirceu?

O José Dirceu foi condenado. Durante muito tempo o defendi, dizendo que foi cassado da Câmara sem provas. Agora, ele está sendo investigado por outros fatos.


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