Folha de S. Paulo


Skidmore, morto aos 83, foi polêmico e pioneiro ao abordar questão racial

Lucas Ferraz - 14.set.2012/Folhapress
O brasilianista Thomas Skidmore, durante entrevista à Folha no asilo onde morava nos EUA, em 2012
O brasilianista Thomas Skidmore, durante entrevista à Folha no asilo onde morava nos EUA, em 2012

O professor americano Thomas Skidmore, autor de estudos influentes sobre a história política do Brasil no século 20 e a questão racial brasileira, morreu neste sábado (11) nos Estados Unidos. Ele tinha 83 anos de idade.

Skidmore tinha o mal de Alzheimer e estava afastado da vida pública desde 2009, quando começou a ter dificuldades para se locomover e passou a viver num asilo perto da casa de praia da família na cidade de Westerley, na costa leste americana.

Professor emérito da Universidade Brown, o brasilianista foi um dos mais destacados de uma geração de acadêmicos que foram incentivados pelas universidades americanas a estudar o Brasil nas décadas de 60 e 70.

Seu trabalho mais célebre, lançado nos EUA em 1967 e editado em português dois anos depois como "Brasil: de Getúlio a Castello", foi um dos primeiros estudos acadêmicos a tentar compreender a crise que levou ao golpe de 1964.

Meses após obter seu doutorado na Universidade Harvard, onde se especializou na história da Alemanha, ele foi enviado ao Brasil com uma bolsa de pós-doutorado para uma temporada de três anos de pesquisas sobre o país.

Skidmore chegou dias depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e permaneceu no Brasil até acompanhar os primeiros meses do regime autoritário inaugurado pelo golpe de 1964.

Como o próprio Skidmore contou à Folha numa de suas últimas entrevistas, em 2012, ele foi uma das primeiras pessoas a saber que o golpe fora bem sucedido, horas após as tropas do Exército saírem às ruas para depor o governo.

Na noite de 31 de março de 1964, o professor jantava com o então embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que foi um ativo participante da conspiração que levou à derrubada do presidente João Goulart.

"Ele foi passar um telegrama para [o presidente dos EUA] Lyndon Johnson contando as novas e pedindo que o governo americano reconhecesse o novo regime", revelou Skidmore à Folha. "Ele disse que tinha ganhado."

BOBOS

Resultado das pesquisas e entrevistas que fez nos anos 60, "De Getúlio a Castello" causou controvérsia no Brasil, especialmente por causa do uso de fontes governamentais, que historiadores brasileiros julgavam pouco crítico.

"Escutei muita gente falar mal dele, mas éramos muito bobos", afirmou o cientista político Bolívar Lamounier, que fez doutorado na Universidade da Califórnia. "Skidmore foi um desbravador."

Mesmo assim, o professor teve atritos com o regime em pelo menos duas ocasiões. Em 1970, assinou com três colegas americanos uma carta aberta em protesto contra a prisão do historiador Caio Prado Júnior, que era seu amigo.

Poucos meses depois, teve um visto negado pelo Brasil quando se preparava para dar aulas num seminário organizado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Em 1984, já durante o processo de abertura democrática, Skidmore foi chamado a depor na Polícia Federal e ameaçado de expulsão durante uma visita ao Brasil, em virtude de comentários sobre a situação política do país.

Em 1988, Skidmore lançou "Brasil: de Castello a Tancredo", que reconstitui os anos da ditadura até a eleição de Tancredo Neves e a redemocratização do país, em 1985.

Publicado nos EUA em 1974 e lançado no Brasil como "Preto no Branco", seu estudo sobre a questão racial foi pioneiro ao tratar de um assunto que recebia pouca atenção dos pesquisadores brasileiros. "O livro dele inaugurou essa agenda, hoje tão forte", disse a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz.

Skidmore morreu poucos dias depois de sofrer um ataque cardíaco que o enfraqueceu muito. Estava acompanhado da mulher, Felicity, com quem se casou na década de 50 e teve três filhos.


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