Folha de S. Paulo


Na Lava Jato, assessor levou o dobro que no mensalão, mostra investigação

Sérgio Lima - 20.set.2005/Folhapress
O ex-funcionário do PP João Claudio Genu
O ex-funcionário do PP João Claudio Genu

O ex-funcionário do PP, João Claudio Genu, recebeu só de propina da Lava Jato ao menos o dobro do R$ 1,1 milhão também fruto de corrupção pelo qual foi condenado pelo caso mensalão, de acordo com os investigadores que apuram o esquema de corrupção na Petrobras. Para eles, Genu continuou desviando recursos públicos mesmo depois de ser sentenciado em outra ação penal.

O investigado, ex-assessor do deputado José Janene, morto em 2010, foi preso preventivamente na manhã desta segunda-feira (23) na 29ª fase da Operação Lava Jato, denominada Repescagem. O valor de R$ 2 milhões em propinas pela Lava Jato foram pagas pelo doleiro Alberto Youssef em repasses mensais entre 2005 e 2013.

Também foi preso, de forma temporária, seu sócio Lucas Amorim Alves, cujas empresas receberam um total de R$ 7 milhões, ainda a serem apurados se são decorrentes de corrupção.

Outro mandado de prisão temporária ainda não havia sido cumprido até o fim da manhã desta segunda –Humberto do Amaral Carrilho está no exterior e é considerado foragido. Ele é suspeito de ter auxiliado Genu na remessa ilegal da propina para contas fora do país.

O nome Repescagem foi escolhido justamente pelo fato de o ex-assessor ter sido alvo no mensalão, acusado de sacar R$ 1,1 milhão em espécie das contas de empresa controlada pelo publicitário Marcos Valério de Souza, também condenado na mesma ação penal, e mesmo assim ter mantido sua participação em esquemas de corrupção, desta vez envolvendo contratos com a Petrobras.

Segundo Flores, é possível traçar "com nitidez muito mais aprofundada" um paralelo entre mensalão e Lava Jato a partir do papel desempenhado por Genu.

"No mensalão, Genu foi condenado porque sacou 1,05 milhão. Já na Lava Jato, em que ele não é um dos principais investigados, nós já temos mais de R$ 2 milhões comprovados de pagamento de propina para ele, ele que nunca teve pagamento federal, mas sempre esteve assessorando o falecido Janene", disse o delegado nesta segunda, durante entrevista coletiva.

O montante recebido por Genu pode ser ainda maior, segundo o procurador Diogo Castor Mattos, um dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato pelo Ministério Público Federa.

Já se comprovou R$ 2 milhões diretamente repassados a Genu pelo doleiro Alberto Youssef e que são frutos de propina. Esse valor, porém, está incluso em um total de R$ 7 milhões depositados em diversas contas de empresas de Genu, em sociedade com Lucas Amorim Alves, no ramo da construção civil no Distrito Federal, que ainda serão investigadas se também seriam recursos ilícitos.

"Embora seja prematura conclusão, é possível que os depósitos sem origem identificada sejam representativos das propinas pagas em espécie a João Cláudio de Carvalho Genu no esquema criminoso da Petrobras", disse Moro, em trecho da sentença.

ESTRATÉGICO

"Genu, em que pese não ser tão conhecido do público nem ter mandato de parlamentar, tem peso estratégico no esquema da Lava Jato porque era um dos principais cabeças da distribuição de vantagens indevidas ao PP", disse o procurador.

O nome de Genu como pessoa do PP que recebia pagamentos em espécie já era citado desde as primeiras fases da Lava Jato, por depoimentos de Alberto Youssef e do ex-diretor das Petrobras Paulo Roberto Costa.

Genu integrava o esquema envolvendo o PP de recebimento e distribuição de propinas na Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Apenas ele recebia até 5% da propina paga por contratos firmados com esta diretoria, sob comando de Paulo Roberto Costa.

Segundo os investigadores, a prisão só ocorreu agora por causa do volume de material a ser analisado durante as investigações da Lava Jato.

Entre os elementos que serviram de base para a prisão do ex-assessor, estão depósitos identificadas nas empresas, entradas de Genu no escritório de Youssef e também comunicações dele por mensagens dos aplicativos Whatsapp e de Skype em que são citados agentes públicos e também a BR Distribuidora.

"Acreditamos que essa pessoa [Genu] pode ter um trânsito muito forte na BR Distribuidora", disse Mattos.

Os três alvos desta 29ª fase estão sendo investigados pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.

'MERCEDÃO', 'GORDO'

O deputado Janene foi o responsável por indicar Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras.

Youssef intermediava propinas pagas por empreiteiras para a diretoria comandada por Costa. Parte deste valor ilícito era destinada a políticos do PP.

Em sua delação, Youssef disse que Genu era um dos beneficiários dessa propina. Na sentença que autorizou a prisão, o juiz Sergio Moro detalha como era a divisão dos valores: 30% para Paulo Roberto Costa, 60% para o PP, 5% para Genu e 5% para ele próprio, Youssef.

Mesmo com a morte do deputado Janene e com a saída de Paulo Roberto da diretoria, segundo delação do doleiro, Genu continuou a receber a propina, com entregas feitas em dinheiro vivo em Brasília ou com depósitos para pessoa física e para empresas dele, em sociedade com Lucas Amorim Alves.

O recurso recebido por Genu, ainda conforme Youssef, foi investido em empresas no nome da mulher do ex-assessor, Claudia Gontijo Genu e o cunhado Antônio Gontijo de Rezende, além de joias e imóveis.

Genu é citado no esquema por outros três delatores, entre eles Carlos Rocha, o Ceará, que diz ter entregue a Genu dinheiro vivo a mando de Youssef. Os valores das remessas eram altos, algumas vezes de R$ 300 mil.

Já o operador Fernando Baiano contou que foi por intermédio de Genu que se aproximou de Paulo Roberto Costa, para quem fez pagamentos de propinas via contratos de empreiteiras com a estatal.

Na sentença, Moro afirma que Genu é apontado "não só como responsável por intermediar repasses a Paulo Roberto Costa, mas também é beneficiário direto de propinas periódicas e vultosas".

Em uma planilha de Youssef de recebedores de propina, Genu era citado com expressões como "Mercedão", "Gordo", tanto para falar de comissões pagas diretamente a ele como valores repassados ao assessor para que fossem repassados a Costa.

O nome "Lucas", referência ao sócio de Genu preso, também constava na contabilidade informal de propina do doleiro Youssef.

OUTRO LADO

Procurado, o advogado de Genu, Mauricio Maranhão, não quis dar declarações à reportagem.

O advogado Ademar Rigueira Neto, que representa Humberto Carrilho, afirmou que o cliente não está foragido. Carrilho viajou para Portugal para tratar de negócios da empresa dele e tinha previsão de retornar no fim deste mês, mas deve antecipar o voo e estar no Brasil até o fim da semana.

Segundo o advogado, ele já havia prestado depoimento na Lava Jato por acusações anteriores e não havia qualquer restrição para viagens internacionais. A respeito da nova acusação que deu base ao pedido de prisão, o advogado negou que Carrilho tenha ajudado Genu a fazer remessas de recursos ao exterior e que o cliente irá disponibilizar seu sigilo bancário às autoridades.

A defesa de Lucas Amorim Alves não foi localizada.


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