Folha de S. Paulo


De olho na reeleição, FHC aumentou atenção à mídia

No volume de "Diários da Presidência" (Companhia das Letras) acerca de 1997 e 1998, Fernando Henrique Cardoso relata diálogos com empresários da mídia. Autora das revelações mais incômodas ao governo, a Folha, com seus dirigentes, catalisou críticas e preocupações de FHC.

A movimentação se intensificou a partir de 13 de maio de 1997, quando a Folha revelou a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, que permitiu ao presidente se candidatar em 1998.

Sergio Lima - 29.jan.1997/Folhapress
O então presidente Fernando Henrique Cardoso comemora a aprovação da emenda da reeleição
O então presidente Fernando Henrique Cardoso comemora a aprovação da emenda da reeleição

FHC escreveu do "grande problema" no diário, anotando que Sérgio Motta (1940-98), à época ministro das Comunicações, "tem certeza que não está envolvido". Quanto aos governadores também citados, "não sei".

"É difícil entender a alma do Frias [Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), então publisher da Folha]", anotou. "Acho que ele quer arrebentar com o Sérgio e não vê mal em diminuir meu poder".

Cinco dias depois, FHC recebeu Roberto Irineu Marinho, do Grupo Globo. "Ele está 100% solidário com o governo. Perguntei diretamente sobre o Sérgio. Ele me disse que o considera o melhor ministro das Comunicações que já houve. Prometeu que vai estar mais alerta, para evitar que se crie um clima."

Escreveu que "o Josa, o Zé Antônio Nascimento Brito, o dono do 'Jornal do Brasil', jurou fidelidade". Mas FHC cobrou dele "por que não puxa o pessoal para defender aquilo que é do interesse do país".

Deixou um desabafo no diário: "Parece que eu é que sou o ávido pelo poder, que lutei sozinho pela reeleição, como se não tivesse toda a mídia, todo o empresariado, todo mundo a favor. Imagino se digo a essa gente: 'Tudo bem, então desisto, não vou mais ser candidato'. Quero ver!".

Em 1998, a reeleição entrou no foco. Em 3 de junho, FHC escreve: "Jantei com o Frias pai. Eu, ele, o [José] Serra e o Paulo Renato [ministro]. Ele disse da admiração profunda que tem por mim, do medo tremendo de o Lula ganhar. Afirmou que preciso ganhar no primeiro turno, que sou o maior presidente da República que já houve".

"Reclamei das manchetes da Folha. Ele disse que a Folha tem esse estilo independente que ajudei a criar [FHC foi colunista do jornal]. Ele é sincero ao dizer que quer a minha vitória, mas também é ao querer ganhar espaço na mídia e está muito feliz com a Folha como ela é."

Em suma, relata FHC, foi "conversa longa, amistosa como são as grandes amizades. É curiosa essa elite brasileira tão desencontrada".

No mesmo dia: "Estive também com João Roberto Marinho [Grupo Globo]. Não foi no mesmo tom da [conversa] com o Frias, porque o João é mais discreto e temos uma diferença grande de idade. Ele está muito preocupado".

Segue-se o relato do suposto diálogo. "Se não houver vontade coletiva para eu ser candidato, não preciso ser", afirma FHC. "Não é possível, tem o Lula aí", diz Marinho.

Em 27 de dezembro de 98, FHC escreve que "a Folha está no auge da glória, porque diz que minha popularidade caiu depois das eleições".

E comenta, citando também o diretor de Redação, Otavio Frias Filho: "Pessimismo na economia, pessimismo na política. É a alma dos Frias, um com malícia, o filho, outro metafisicamente pessimista, o pai".


Endereço da página:

Links no texto: