Folha de S. Paulo


Depois de quase ser ministro de Dilma, Meirelles vira homem forte de Temer

Em novembro do ano passado, quando Michel Temer chamou o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para uma conversa em seu escritório em São Paulo, Dilma Rousseff era presidente da República e o risco de impeachment parecia contido.

Segundo o relato que Meirelles fez mais tarde a um assessor, sua volta ao governo não foi discutida nesse dia, mas ele fez questão de apontar ao vice-presidente a falta de unidade no comando da política econômica como um problema urgente a enfrentar.

Alguns dias depois, o ministro Jaques Wagner, braço direito de Dilma no Palácio do Planalto, procurou-o para saber se tinha disposição para assumir o Ministério da Fazenda no lugar de Joaquim Levy, que Dilma queria trocar.

Meirelles respondeu que sim, mas repetiu o que dissera antes a Temer sobre a necessidade de sintonia na área econômica. Dilma recebeu o recado, concluiu que Meirelles queria mandar sozinho e desistiu de fazê-lo ministro.

No fim de abril, quando Temer já se preparava para assumir a Presidência, Meirelles foi chamado novamente. Primeira opção de Temer para a Fazenda, o ex-presidente do BC Armínio Fraga indicara que não queria o posto.

Meirelles reafirmou suas condições, e Temer concordou com elas. O acordo foi selado na presença do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que já estava definido como novo ministro do Planejamento, e de Gilberto Kassab, chefe do PSD, sigla à qual Meirelles é filiado.

Aos 70 anos, Meirelles volta ao poder como um dos homens fortes do governo Temer, encarregado de administrar um desastre econômico de proporções épicas, com recessão, orçamento no vermelho e inflação elevada.

Temer prometeu a Meirelles que não haverá vozes dissonantes no governo quando o assunto for a economia. O novo ministro da Fazenda terá liberdade para escolher sua equipe e indicar o novo presidente do BC, mas enfrentará limites em outras áreas. Poderá opinar sobre indicações para diretorias dos bancos públicos, mas a palavra final será dos políticos.

A sorte ajudou Meirelles até aqui. Ele deixou o governo assim que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa para Dilma, em 2011, e escapou do vexame que poderia ter sofrido se tivesse voltado a Brasília no fim de 2015, quando a situação da presidente se agravou.

Isso permitiu que chegasse ao novo governo com o prestígio intacto. Meirelles presidiu o Banco Central durante os oito anos do governo Lula, um período em que a economia do país cresceu acima da média e a inflação ficou dentro da meta oficial.

Ele era um estranho no ninho petista. Quando Lula o escolheu para comandar o BC, Meirelles havia se aposentado após uma bem-sucedida carreira como executivo de um banco americano, o antigo BankBoston, e tinha acabado de se eleger deputado federal pelo PSDB de Goiás.

Para Lula, a escolha podia ajudar a vencer a desconfiança que o novo governo despertava nos investidores. Para Meirelles, que temia ficar apagado na Câmara dos Deputados, era a chance de alcançar rapidamente uma posição de grande visibilidade.

SENSIBILIDADE

Engenheiro sem formação em economia, Meirelles nunca foi um formulador de políticas. Também não possuía experiência como operador no mercado financeiro. Mas ele tinha talento para formar equipes e sensibilidade política para lidar com os petistas.

Lula garantiu a Meirelles a autonomia que o Banco Central precisava ter para fazer seu trabalho. Isso ajudou a mantê-lo à frente da instituição apesar do desconforto que os juros altos praticados pelo BC provocaram dentro do próprio governo durante a maior parte de sua gestão.

A diretoria do Banco Central tocava afinada com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que convencera o presidente a adotar uma política econômica austera no início de seu governo, para conter os gastos do governo e manter a inflação sob controle. Palocci ajudou Meirelles a conquistar a confiança de Lula promovendo encontros periódicos entre os dois.

Palocci deixou o governo em 2006, em meio ao escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. Lula nomeou para o seu lugar Guido Mantega, instalando na Fazenda um adversário da linha que Palocci e Meirelles defendiam. Mesmo assim, o presidente manteve Meirelles no comando do BC e continuou garantindo sua autonomia.

Em 2010, quando indicou Dilma para ser sua sucessora, Lula chegou a pensar em Meirelles como candidato a vice da chapa. O presidente do Banco Central tinha trocado o PSDB pelo PMDB, e Lula achava que ele podia reduzir as incertezas que o estilo intervencionista de Dilma criavam no meio empresarial.

Os líderes do PMDB rejeitaram a ideia. Eles achavam que entregar a vaga na chapa a um recém-chegado indicado por Lula seria submeter-se a uma intromissão indevida dos petistas nos assuntos do partido. O PMDB escolheu então Temer como vice de Dilma.

Após a eleição, Lula e Palocci, que se preparava para voltar ao governo como braço direito de Dilma na Casa Civil, tentaram convencê-la a manter o presidente do BC. O próprio Meirelles liquidou suas chances ao avisar que só continuaria no cargo se Dilma lhe garantisse a mesma autonomia que tivera com Lula.

A presidente eleita sentiu-se desrespeitada e decidiu substituir Meirelles por um dos diretores que ele trouxera para o BC, Alexandre Tombini. Dilma e Meirelles se despediram numa conversa amistosa, segundo uma testemunha do encontro, mas ficou claro que tinham ideias e temperamentos incompatíveis.

CRÍTICAS

Dilma forçou o Banco Central a baixar os juros e logo perdeu o controle da inflação. Meirelles torceu o nariz para a nova política econômica desde cedo, mas levou mais de três anos para fazer as primeiras críticas em público.

Após sair do governo, Meirelles ficou um ano de quarentena antes de voltar a trabalhar no setor privado. Encerrado o período, tornou-se presidente do conselho de administração da J&F, a empresa criada pelos donos da gigante de alimentos JBS para controlar seus investimentos.

Ele continuou alimentando suas ambições políticas. Depois de entrar no PSD de Kassab, flertou com a possibilidade de se candidatar a prefeito de São Paulo, governador do Estado e senador. Não levou nenhum plano adiante porque avaliou que suas chances eram pequenas.

Meirelles manteve contato frequente com Lula. Em 2011, quando o ex-presidente saiu de cena para combater um câncer, trocava e-mails com um assessor do petista para saber como ele estava. Um aliado de Lula estima que eles tenham se reunido ao menos seis vezes nos últimos dois anos para falar de economia.

O ex-presidente sugeriu a Dilma que chamasse Meirelles para a Fazenda logo depois da reeleição, quando ela optou por Levy, e voltou a insistir no segundo semestre do ano passado. Dilma não quis.

Em conversas reservadas nessa época, Meirelles chegava a expressar dúvidas sobre a capacidade de Temer de viabilizar um novo governo em caso de impeachment, e dizia que Dilma ainda tinha condições de se recuperar. O agravamento da crise fez com que mudasse rápido de ideia.


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