Folha de S. Paulo


Impeachment fica fora de base sobre golpes

O afastamento da presidente Dilma Rousseff não será considerado golpe de Estado pelos pesquisadores que desenvolveram um dos mais completos bancos de dados sobre governos retirados do poder ilegalmente no mundo todo.

Apesar de Dilma ter acusado o processo de impeachment de ser um golpe contra seu governo, estudiosos do assunto indicam que a ausência de ruptura da Constituição faz com que não haja ilegalidade em sua saída.

"Impeachment não é golpe. A ideia de que há um golpe no Brasil é completo nonsense", disse à Folha o cientista político Clayton Thyne, da Universidade do Kentucky (EUA).

Ele é um dos autores do banco de dados que reúne informações sobre todos os golpes de Estado (e tentativas de golpe) no mundo desde 1950, e afirmou que o impeachment de Dilma não vai ser contabilizado no levantamento.

Não vai ser golpe

Thyne desenvolveu o trabalho "Coups in the World" (golpes no mundo) com seu colega Jonathan Powell, da Universidade de Central Florida. O levantamento foi realizado originalmente em 2011 no artigo acadêmico "Global Instances of Coups from 1950-Present" (instâncias globais de golpes de 1950 até o presente), e vem sendo atualizado desde então.

No total, foram avaliados mais de 1.200 supostos golpes de Estado em 94 países desde 1950. A maior parte ocorreu na África (36%) e nas Américas (32%), e apenas 2,6% na Europa. A maior parte dos golpes de Estado no mundo ocorreu entre os anos 1960 e 1970.

Entre casos recentes, o levantamento também não considerou a derrubada do presidente Fernando Lugo, do Paraguai –estão indicados quatro golpes no país desde 1950, o último deles em 2000. Já a queda de Manuel Zelaya, de Honduras, em 2009, é contabilizada como ruptura ilegal.

DEFINIÇÃO

Apesar de não haver um consenso universal sobre a definição de golpe de Estado, a associação a um processo ilegal é uma das características mais mencionadas.

Os cientistas políticos fizeram um levantamento das 14 explicações mais relevantes na bibliografia acadêmica e adotaram como conceito a "tentativa ilegal e evidente por militares ou outras elites do aparato do Estado para derrubar o Poder Executivo".

"Não vejo evidência suficiente de que qualquer coisa ilegal está acontecendo em como o processo está sendo realizado no Brasil", explicou Thyne. "Juristas podem dizer que as regras estão sendo forçadas em algum sentido, mas é preciso romper a Constituição para que algo seja considerado golpe. Tem que ser algo obviamente ilegal."

A avaliação de que não se trata de um processo ilegal não significa o apoio ao impeachment. "Não estou dizendo que o governo do Brasil deve ou não ter impeachment, só digo que, se isso for feito dentro das regras constitucionais, não é um golpe."

Ele ressaltou que o impeachment não é algo bom ou ruim, mas que é uma forma de retirar governos do poder. "Está na Constituição. É parte da democracia". Segundo o pesquisador, a acusação de golpe é frequente em casos de governos retirados do poder, mesmo que os procedimentos sejam legais.

O estudo histórico de casos de golpes indica que costumam ter consequências desastrosas para os países onde acontecem e podem gerar escalada de autoritarismo.

Em casos raros, entretanto, Thyne diz ser possível que a derrubada de um governo abra janela para a democracia –é o caso do putsch em Honduras em 2009, segundo ele.

O banco de dados não vai contabilizar o impeachment de Dilma, mas avaliou 20 situações de supostos golpes e tentativas no Brasil, e reconheceu seis deles como rupturas ilegais de fato.

Segundo a pesquisa, houve golpe em 1955, tentativas de tomada de poder fracassadas em 1959 e 1963, dois golpes em 1964 e outro em 1969.


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