Folha de S. Paulo


Em 127 anos de república, 12 foram eleitos por voto direto e terminaram o mandato

Sobe e desce

Uma doença interrompeu a gestão do presidente Affonso Penna em 1909. A Revolução de 1930 derrubou Washington Luís. Getúlio Vargas suicidou-se em 1954. Em 1961, Jânio Quadros renunciou. Fernando Collor sofreu impeachment em 1992.

Caso o Senado, que afastou a presidente Dilma Rousseff (PT) por 180 dias, decida pelo seu impeachment, ela se juntará aos demais cinco presidentes eleitos por voto direto que deixaram o cargo antes do fim do mandato.

ESPECIAL IMPEACHMENT

Nos 127 anos de República brasileira, só 12 pessoas foram eleitas pelo voto direto, tomaram posse e governaram até o final, incluindo Dilma no primeiro mandato. Sete vices já assumiram a Presidência; Michel Temer, em caráter interino, é o oitavo.

Por que o Poder Executivo brasileiro e a democracia no país são tão instáveis?

Para o professor da USP Marcos Napolitano, especialista em história social, há três obstáculos à estabilidade política: a estrutura socioeconômica desigual no país, herdada da escravidão, um deficit democrático em nossa tradição liberal, "presa a valores oligárquicos e excludentes", e a falta de compromisso com a "coisa pública" do cidadão, "que se reflete nos políticos".

Presidentes do Brasil

"A maior parte dos países que hoje são democracias estáveis já passou por períodos muito turbulentos em sua história até aprenderem a lidar com as demandas e os conflitos sociais. As elites brasileiras criaram a imagem de um país passivo e pacífico, com o povo cordial etc., mas um exame mais profundo na nossa história revela o quanto a sociedade brasileira sempre foi violenta e conflituosa."

Essa instabilidade, porém, não é exceção, na visão de Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Cebrap e professora aposentada do departamento de ciência política da USP. "Não somos muito diferentes dos vizinhos latino-americanos, com exceção do México, que conheceu muitas décadas de estabilidade autoritária, e da Costa Rica, que é uma democracia estável desde os anos 1940."
"Talvez não sejamos tão especiais assim", afirma Maria Hermínia. "A democracia é um sistema difícil de construir e de manter, sobretudo em sociedades com muita pobreza e desigualdade."

PERÍODOS

Na República Velha (1889-1930) reinou certa estabilidade do poder presidencial, embora os líderes governassem em estado de sítio por longos períodos e com conflitos sociais. Mas as restrições à participação popular –mulheres e analfabetos não votavam– e a política dominada por elites regionais sustentavam uma democracia precária.

À Primeira República seguiram-se o governo Vargas (1930-37) e o Estado Novo (1937-45), período de instabilidade e autoritarismo, em que eleições foram suspensas.

A primeira experiência com a democracia de fato –ainda que limitada novamente– se deu entre 1946 e 1964, intervalo extremamente instável, com o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio e o golpe militar que depôs João Goulart.

Cientistas políticos explicam essa fragilidade a partir dos poderes limitados do presidente, sem controle sobre o Orçamento, por exemplo, e, portanto, sem moeda de troca para oferecer ao Legislativo.

COALIZÃO

Na redemocratização, a configuração foi a contrária: delegou-se uma série de poderes ao presidente, que hoje inicia o Orçamento e pode editar medidas provisórias. A ideia é que a combinação entre o multipartidarismo e o presidencialismo com o Executivo forte permita que o presidente alcance a governabilidade formando uma coalizão depois da eleição.

Esse modelo de presidencialismo de coalizão –termo criado pelo cientista político Sergio Abranches em 1988– foi criticado no passado por brasilianistas americanos, que apontavam baixa fidelidade partidária, mas defendido por brasileiros justamente como a fórmula para atingir a estabilidade política (leia artigos nas páginas 13 e 14).

Para o cientista político Carlos Pereira, da FGV-Rio, o modelo é uma "grande engenharia institucional" que, com uma Polícia Federal rigorosa e um Judiciário independente, constrói uma "democracia robusta".

Dilma, em sua opinião, é alvo de um processo de impeachment porque foi "péssima gerente de coalizão".

Em entrevista à "BBC Brasil" na semana passada, a presidente disse que "há um problema estrutural no presidencialismo de coalizão brasileiro". "Ele não suporta a crise." Para ela, a combinação de partidos sem ideologia em um contexto de crise impossibilita a formação de coalizão.

Para Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford e colunista da Folha, "talvez tenha se enfatizado demais dizer que o Brasil era uma democracia completamente funcional", embora ele concorde com a corrente defendida pelos brasileiros –prova de que democracia é sólida, para ele, são as prisões de uma elite política enquanto estava no poder.

Em sua opinião, Dilma está no meio de "uma tempestade perfeita": a Operação Lava Jato ("o progresso dos mecanismos de fiscalização mais cedo ou mais tarde iriam bater no financiamento de campanha, ponto fraco do sistema") junto com a crise econômica. "Para um governo fraco, é muito mais difícil formar uma coalizão, mesmo se o sistema fosse bipartidário."

Ajustes podem ser feitos, segundo Barros, que sugere cláusula de barreira e fim das coligações nas eleições proporcionais. "Mas meu maior medo é a falência do sistema partidário. Um partido é muito fácil de quebrar e muito difícil de construir. Isso sim pode aumentar a instabilidade", afirma, citando a fragilidade atual do PT e do PSDB.


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