Ao fim de cada um dos últimos 324 dias Marcelo Odebrecht pega caneta e papel e descreve detalhadamente sua rotina na prisão. Anota atividades, manda recados para a família, faz apontamentos sobre processos, discorre sobre assuntos da empresa que leva seu sobrenome.
Nos fins de semana, quando são permitidas visitas, entrega o inventário à mulher. O diário já tem mais de 2.000 páginas e, segundo pessoas próximas, não está sendo feito para virar livro.
Além da mulher, a mãe o tem visitado com frequência. Emílio Odebrecht, o pai, só o viu na cadeia uma vez. Voltou a chefiar os negócios da família após a prisão do filho.
Desde fevereiro, a vida do empreiteiro piorou. Ele foi transferido do Complexo Médico Penal para a carceragem da Superintendência da Polícia Federal para ser ouvido sobre a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.
No CMP ele, hiperativo e compulsivo, gastava as energias em sessões diárias de exercícios físicos que duravam cinco horas. Na PF, passa 23 horas na cela e sai por só uma hora para o banho de sol. Dividiu o xadrez com quatro traficantes antes de se mudar para a cela do doleiro Alberto Youssef.
Decidiu colaborar.
Marcelo sucumbiu à delação premiada ao saber que Maria Lúcia Tavares, ex-secretária da empreiteira, havia decidido contar tudo que sabe. Ela era responsável pelas planilhas do Departamento de Operações Estruturadas, apontado pelos investigadores como o setor de pagamento de propina da Odebrecht.
Ele ficou surpreso com a decisão da ex-subordinada. Estava apreensivo, sobretudo em razão de menções sobre transações no exterior.
Maria Lúcia foi presa no dia 22 de fevereiro e colocada na cela de Nelma Kodama, ex-amante e auxiliar de Youssef. Ao prestar depoimento à delegada Renata Rodrigues ela pediu para ser ouvida sem a presença de Roberto Garcia, advogado da empreiteira.
A delegada não permitiu. Deixou cliente e advogado a sós para resolverem o impasse. Maria Lúcia disse que havia decidido fechar delação e seguiria sem o apoio jurídico da Odebrecht.
Garcia saiu da sala e topou com Juan Viera, advogado de Nelma –e que agora defende Maria Lúcia.
Advogados de réus da Lava Jato consideram que Youssef e Nelma ajudam os investigadores a convencer os presos a fazer delação.
A Odebrecht negocia fazer delação em grupo. Marcelo, Márcio Farias, Alexandrino Alencar e Rogério Araújo são os que mais têm a falar, mas o total de depoentes pode passar de 15.
São negociados 20 temas. Sobre o ex-presidente Lula os delatores já aceitaram dar detalhes das reformas do sítio em Atibaia (SP) pagos pela empreiteira, mas não muito mais que isso. Dizem não haver irregularidades nas viagens e palestras do petista.
Nas últimas 47 semanas e 5 dias Marcelo Odebrecht registrou minuciosamente tudo o que se passou na sua vida no cárcere. Caso ele tenha sido detalhista também no registro das relações com investigados pela Lava Jato, sua delação tem potencial para causar estragos.