Folha de S. Paulo


Análise

Brasil elegerá hoje presidente em um concurso de mensalão

Ariel Severino/Folhapress

Hoje o Brasil deve eleger seu novo presidente em um concurso de mensalão. Vencerá quem tiver oferecido mais cargos e verbas para os partidos que receberam dinheiro no mensalão original, ou para partidos de igual estatura.

A disputa não é mais, como já foi, entre um líder sindical e um sociólogo, ambos destacados combatentes contra a ditadura. O vencedor mais provável é a banda direita do petrolão, com PMDB e quase todo o PP reunidos em gloriosa aliança. Se Dilma sobreviver terá que distribuir cargos-chave para gente do mesmo calibre.

E quanto custou esse show? É cada vez mais claro que foi uma decisão coletiva estúpida começar a guerra do impeachment. A crise em 2015 já seria feia, mas foi muito, muito pior porque a atravessamos sem saber quem seria governo na semana seguinte.

No começo de 2015, a expectativa era que o pior já teria passado no final do terceiro trimestre. Os modelos supunham um governo capaz de fazer algo além de evitar pautas-bomba. Não tivemos isso. A coisa mais parecida com um governo que tivemos em 2015 foi Eduardo Cunha.

Como chegamos até aqui? A responsabilidade maior é do PT, que não só cobrou "pixuleco" da quadrilha das empreiteiras (o "Sport Club Unidos Venceremos") como conseguiu a façanha de adiar o ajuste econômico até a hora em que a crise econômica e a Lava Jato coincidiram. Achou que era pouco e se opôs abertamente aos planos de Levy e Barbosa. Foi mesmo muita vontade de cair.

Mas, depois que o PT se enfraqueceu, a direita brasileira retomou velhos hábitos. O PSDB, que a havia liderado em seu melhor momento, tornou-se irrelevante. Não era mais preciso conquistar milhões de votos em eleições; a questão passou a ser conquistar 2/3 dos deputados. Para isso, Cunha é mesmo mais qualificado do que FHC ou Aécio.

O impeachment é uma jogada arriscadíssima para os tucanos, que agora serão coadjuvantes de Temer. Teria sido muito melhor para o PSDB deixar Dilma sangrar. Não deu certo em 2005 porque teve Bolsa Família e alta das commodities. Agora teríamos a baixa das commodities e o ajuste fiscal.

Por isso os principais entusiastas do impeachment não foram os tucanos, mas seus coadjuvantes: o DEM de Caiado, o Solidariedade de Paulinho da Força, o PPS de Freire. Seriam coadjuvantes com Aécio ou com Temer, e com Temer já terão cargos e verbas agora.

A essa turma somaram-se os movimentos jovens de direita, que são uma adição bem-vinda à política brasileira. Mas, no fim das contas, seu papel foi bastante secundário desde que o impeachment ressuscitou em março. Nos últimos meses tornaram-se mais um freio contra novas eleições (proposta que conta com grande aprovação popular) do que a renovação do que quer que fosse.

FUGA

Mas nada disso seria suficiente se não fosse a expectativa, que não sabemos ainda se é realista, de que o impeachment vai gerar uma catarse que diminua a pressão da opinião pública sobre as investigações de corrupção. Sem o voto da turma em fuga, a proposta não teria a menor chance de prosperar.

Enfim, as forças políticas responsáveis entraram em guerra, e, vença quem vencer no plenário hoje, tudo que há de pior na política brasileira sairá com mais controle sobre um orçamento cada vez menor, e terá chances melhores de escapar da polícia.


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