Folha de S. Paulo


análise

Colapso da confiança popular criou política do impeachment

Dois meses e nove dias depois do início de seu segundo mandato, Dilma Rousseff rebatia em entrevista rápida no Planalto as primeiras discussões de seu impeachment.

Era segunda-feira. No domingo, 8 de março, houvera o primeiro panelaço, contra o discurso em que a presidente pedia paciência com o arrocho. No domingo seguinte, 200 mil pessoas iriam à avenida Paulista e mais a outras ruas pelo país a fim de pedir o impeachment.

O que causou o início da degradação política? O colapso da confiança popular, o governo mal avaliado, incentivou um PMDB ofendido a cobrar velhas contas de Dilma; animou a vingança udenista do PSDB, ressentido com a derrota de 2014.

Filho do fracasso econômico, o estelionato eleitoral provocou um pânico de crise e, assim, a alta súbita da impopularidade do governo. O desprestígio explodiu antes de haver debate do impeachment e grandes manifestações.

A explosão do medo da crise, por sua vez, veio antes dos efeitos mais cotidianos e concretos da recessão. Enfim, apenas a partir de março, quando houve a denúncia de 34 dezenas de parlamentares na Lava Jato, surgiriam queixas gerais contra a corrupção.

Mais dinheiro, buraco maior - Diferença entre receita e despesa do governo federal, em % do PIB

O PAPEL DA OPOSIÇÃO

Em novembro e em dezembro de 2014 houvera manifestações contra o governo, convocadas por Revoltados On Line, MBL e Vem Pra Rua.

O PSDB tentava então se dissociar de protestos e pedidos de impeachment. Mas em dezembro o PSDB decidira ir à Justiça, ao TSE, pela cassação da chapa Dilma-Temer, o que daria em nova eleição. Aécio Neves e tucanos queriam "sangrar" o governo, mas não o impeachment.

Até março, Eduardo Cunha (PMDB) chamava o impeachment de "golpe". Cogitou aceitar os pedidos de impedimento apenas em julho, quando rompeu com o governo, ao ser acusado de receber propina na Suíça.

Foi só em meados de abril, com acusações do TCU, que pedaladas passaram a ser caminho das pedras do impeachment para a oposição.

Medo da inflação - % de entrevistados para quem a inflação vai aumentar

COLAPSO DA CONFIANÇA

No final de 2014, o prestígio de Dilma chegara ao nível mais alto desde junho de 2013, segundo o Datafolha : 42% dos eleitores julgavam seu governo ótimo ou bom. Houvera uma onda suave de otimismo, de baixa no medo de inflação e de desemprego.

Em outubro, 31% dos eleitores diziam que a inflação iria aumentar. Mas, em fevereiro, eles eram 81%, sinal forte de insegurança, não da situação real dos preços.

Em dezembro e janeiro, o governo anunciara cortes de gastos e benefícios sociais, além de altas de impostos, de luz e de juros. Era o estelionato eleitoral. A aprovação de Dilma cairia de 42% em dezembro para 23% em fevereiro e 13% em março.

Apesar de nove meses de notícias da Lava Jato, corrupção era o maior problema do país para apenas 9% dos entrevistados em dezembro pelo Datafolha (ante 21% de meados de 2015). Saúde era o maior drama, para 43%.

Total de renda cai - Variação anual, em %

CRISE ECONÔMICA

No cotidiano, a crise quase não era sentida no início de 2015, com exceção da inflação. Em janeiro, o rendimento do trabalho estava no nível mais alto desde sempre. Crescia mais de 2% ao ano acima da inflação. Agora, cai 2,4%.

O desemprego era de 6,8%, menor que o de um ano antes. O número de empregados subia 1,2% ao ano. A crise de emprego e renda seria sentida com força "nas ruas" a partir de outubro de 2015.

O sentimento de descontrole e pânico seria reforçado a partir de julho, quando o governo jogou a toalha do controle de gastos e do déficit, que explodira nos anos Dilma. Assim, ajudou a provocar pânico nos mercados financeiros (alta do dólar, dos "risco Brasil", dos juros) e, enfim, o rebaixamento da nota de crédito do país.

Medo de investir no Brasil - Preço dos CDS*

CRISE POLÍTICA

O governo perdia o PMDB desde 2013. Em 2014, a Convenção do partido aprovou apoio à reeleição de Dilma por 59% dos votos. Em 2010, a aliança tivera 85% dos votos.

O apoio dos partidos da coalizão governista baixava ano a ano. Em 2014, 66% dos parlamentares votaram de acordo com a liderança do governo na Câmara, segundo dados do Cebrap (a taxa de disciplina fora 89% em 2011).

Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara e de um "blocão" de partidos insatisfeitos, comandava a "rebelião" e as derrotas do governo. Foi então que nasceu o projeto petista-governista de acabar com a dependência do PMDB, reforçando outros partidos da base. O plano sairia pela culatra, culminando com a tentativa de derrotar Cunha na eleição para a presidência da Câmara.

Cunha venceria de lavada, em fevereiro. Michel Temer, que apoiara Cunha, ficaria na geladeira do Planalto até abril de 2015, quando foi convocado por Dilma para a coordenação política.

Frito por petistas, abandonaria a função em agosto, quando diria em entrevista que o país precisava de "alguém [que] tenha a capacidade de reunificar a todos", o começo do rompimento e da ruína final.


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