Folha de S. Paulo


Corrupção é problema suprapartidário, diz Moro em palestra

No seminário em que fez paralelos entre as operações Lava Jato e Mãos Limpas, que investigou o sistema de corrupção da Itália da década de 90, o juiz Sergio Moro convocou setores da sociedade a se engajar no combate à corrupção e afirmou que a "corrupção é um problema suprapartidário".

"A Justiça tem um papel nesses processos relativo à corrupção, mas ela, sozinha, não resolve. É preciso que as outras instituições operem. A sociedade civil precisa se mobilizar para cobrar, as empresas privadas precisam se auto-organizar para evitar pagamentos de corrupção", disse Moro, que afirmou ser esse o motivo por ter aceitado fazer algumas palestras em empresas.

"Se as corrupções não são enfrentadas elas tendem a ficar pior", afirmou no simpósio que aconteceu em São Paulo, nesta terça (29).

O juiz deu o recado de que é necessário contar com o apoio da opinião pública para que a operação não pare e refutou teorias que defendem que a eleição de Silvio Berlusconi na Itália seja um produto da Operação Mãos Limpas.

"O grande problema é que houve uma reação política e a democracia italiana não foi forte o suficiente para prevenir essa reação política. Agora, atribuir responsabilidade aos magistrados ou à Operação Mãos Limpas é confundir as coisas. Porque exatamente o problema foi que não tiveram o amparo suficiente da sociedade civil organizada e da democracia italiana", disse Moro.

"Será que a situação na Itália estaria melhor se não tivesse havido a Mãos Limpas? Não acredito", emendou.

Moro também disse que a corrupção tende a piorar se não for enfrentada e enfatizou que não enfrentá-la "não era uma alternativa jurídica e moral".

Jorge Araújo/Folhapress
Piercamillo Davigo e Sergio Moro no simpósio
Piercamillo Davigo e Sergio Moro no simpósio "Combate à corrupção: desafios e resultados. Casos Mãos Limpas e Lava-Jato"

Moro fez um paralelo entre a Mãos Limpas e a Lava Jato relatando que as duas tiveram um começo "relativamente banal". O juiz ainda disse que a Itália já fechou sua história, que "no Brasil ainda está em aberto, esperando seu final". Apesar disso, reiterou que os envolvidos na Itália continuam trabalhando contra a corrupção e finalizou afirmando que "não existe nenhuma batalha encerrada".

Destacou que o que mais chama sua atenção sobre a corrupção é que o que "era para se dado como isolado se torna prática comum".

"Eu acredito que essas corrupções endêmicas, sistemáticas, se não são enfrentadas elas tendem a ficar cada vez pior. Elas vão crescendo porque elas se estabelecem como uma regra comum de comportamento. Pessoas que eventualmente jamais cairiam na tentação da corrupção, dentro de um ambiente de corrupção disseminada se veem tentadas a aderir, para não ficar de fora do jogo", explicou.

O magistrado também fez uma citação cifrada ao ex-deputado Pedro Corrêa, preso em Curitiba.

Quando disse que o impressionava a capacidade das pessoas de seguirem fazendo atos de corrupção, mencionou um personagem que, ao mesmo tempo em que era julgado no mensalão, recebia recursos ilícitos da Petrobras –ele, porém, não citou nomes.

Antes de Moro iniciar sua fala, todos os telefones, gravadores e câmeras tiveram que ser desligados. Um grupo de seguranças monitorava a plateia para ter certeza que o juiz não estava sendo gravado.

O juiz chegou no local onde aconteceu a palestra escoltado por mais de dez seguranças que o acompanharam por onde foi.

REAÇÃO POLITICA

A maioria dos palestrantes alertou sobre o risco da reação política poder blindar agentes corruptores.

"Os advogados dos investigados devem estar se articulando para fazer alterações legislativas muito perigosas", disse o o promotor Justiça do Paraná Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, citando como exemplo a lei de repatriação de recursos aprovada pelo governo federal.

O procurador da força-tarefa da Lava Jato Paulo Roberto Galvão, um dos participantes do seminário, afirmou que seria "teoria da conspiração" acreditar que todos os órgãos que investigam a Lava Jato estejam focados no PT.

"É uma teoria da conspiração supor que todos os órgãos e pessoas se mancomunaram para investigar esses fatos. A gente nunca disse que a corrupção não ocorreu em outros lugares, mas somos órgãos de investigação federal", disse.

"O esquema da Petrobras é de beneficiamento de verbas da administração federal. Não faz sentido que essas verbas favoreçam partidos da oposição, elas favorecem quem está no poder, que é quem pratica corrupção. Estamos investigando em razão de CPIs partidos que não compõem a base aliada e sobre os quais há indícios que tenham se beneficiado de propina".

PRISÃO PREVENTIVA

Em sua fala, ex-procurador italiano Piercamillo Davigo iniciou sua fala rebatendo as críticas de que as prisões preventivas servem como instrumentos para conseguir as delações premiadas.

"De acordo com regras da lei italiana é necessário graves indícios de culpa para decretar a prisão preventiva, como o imputado poder destruir as provas, perigo de fuga ou repetir os mesmos crimes. O curioso é que tínhamos que lidar com pessoas que tinham cometido não um único crime, mas centenas de crimes por dezenas de anos", disse Davigo.

O magistrado afirmou que "as medidas cautelares foram úteis no sentido de obter confissões", mas que é errado assumir que de dentro da prisão o detento não se comunica com seus cúmplices.

Citou exemplos de colaboradores que optaram pela delação premiada não por estarem presos, mas por situações distintas: "Quando fui interrogar um réu, um político. Eu tinha alguns jornais. Ele pediu para ler. O jornal do seu partido dizia que ele era 'uma maçã podre isolada', ele me deu um jornal e disse "agora vou descrever o que há no resto da cesta". E começou a fazer os elencos".

O italiano também defendeu a saída dos colaboradores: "alguém não é preso para fazer com que ele fale, mas porque é um corruptor. Mas se ele para de fazer parte daquele grupo pode sair, essa é a questão".


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