Folha de S. Paulo


Governo vive o momento mais delicado, é inegável, diz Edinho Silva

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 18-03-2016, 12h00: Entrevista exclusiva com o ministro chefe da SECOM do governo, em seu gabinete, no palácio do planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO*** ***ESPECIAL***
O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, dá entrevista em seu gabinete, em Brasília

O país vive uma "guerra" e há o risco de a sociedade buscar um "salvador da pátria", o que representaria cair na "tentação do autoritarismo".

O alerta é feito pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, sobre o atual momento da crise política que atingiu em cheio o governo da presidente Dilma e o PT.

Próximo do ex-presidente Lula, o ministro ressalta que "ninguém é maior que a Constituição" e classifica o momento atual como o "mais delicado" do governo. Segundo ele, a disputa político-partidária em torno do tema da corrupção tornou o PT um "símbolo negativo aos olhos da sociedade".

Ele se queixa que, "sob o manto do combate à corrupção", tem emergido um pensamento "extremamente autoritário" e uma "cultura extremamente violenta".

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Folha - Como o sr. define o momento do ponto de vista da atuação de instituições como Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário?
Edinho Silva - É evidente que há uma contaminação política muito grande –não estou dizendo do conjunto. No Brasil, por tradição, era raro você ver juiz dando entrevista ou se posicionando publicamente sobre mérito, isso é algo novo.

O sr. diria que tem uma ação dirigida da Justiça contra o governo Dilma Rousseff?
Nós tivemos fatos que alimentaram uma disputa política aberta na sociedade. Há uma gama imensa de juristas dizendo isso, que estamos vivendo um momento no Brasil no qual muitas vezes os fatos alimentam a disputa política e ajudam na radicalização de posições na sociedade.

É um momento difícil da vida do país, no qual existe uma diluição importante das instituições e, toda vez em que o Estado se enfraquece, abre-se espaço para a turba, para as paixões, espaço para que não exista racionalidade nas relações.

Colegas do sr. no governo têm avaliado que o país estaria vivendo num "estado policial". Concorda?
Não, sempre que houver denúncias é positivo para a democracia que sejam apuradas. O que não pode é generalizar a criminalização da política. Hoje, a rigor, todo mundo que ocupa cargo político é culpado. Existe uma inversão de valores e aí se cai numa vala comum.

Mas não foi o mundo político, sem distinção, o grande culpado por isso, diante dos casos de corrupção?
O importante é que as instituições funcionem para que você cada vez mais diminua o espaço para que ela exista.

O sr. falou em criminalização da política. Acha que a Operação Lava Jato, como têm dito petistas, está fazendo isso?
A Operação Lava Jato cumpre um papel importante quando ela apura as denúncias. Agora, quando suas iniciativas e procedimentos alimentam a disputa político-partidária, a investigação começa a correr um risco. E mesmo que hoje essa utilização política da Lava Jato seja aclamada aos olhos populares, pode não ser essa a leitura no futuro.

Algo que deveria ser extremamente benéfico do ponto de vista do fortalecimento institucional torna-se instrumento de uma disputa político-partidária. Isso não fortalece as instituições e abre precedentes gravíssimos.

E como o sr. define o momento do governo?
É o momento mais delicado. É inegável e temos consciência disto. É o momento no qual temos de enfrentar uma crise econômica extremamente contaminada pela crise política. Eu tenho insistido muito: aqueles que têm a grandiosidade de entender o momento histórico que estamos vivendo têm de abrir espaço para o diálogo, para que se construa consenso em torno de uma agenda econômica e política que nos tire desta crise.

Mas há espaço para esse tipo de negociação num ambiente tão acirrado?
Eu penso que há algumas análises ingênuas. Alguém acha que vai banir o pensamento de esquerda no Brasil, que depois desta crise a esquerda vai deixar de existir no Brasil. Nós vamos jogar a esquerda na clandestinidade? Ela vai continuar existindo.

Mas não é uma questão da esquerda, mas de corrupção.
O que está colocado, só não vê quem não quer, é um pensamento autoritário de enfrentamento a todo pensamento diferente, ao pensamento de esquerda. Então, sob o manto do combate à corrupção, tem emergido um pensamento extremamente autoritário e uma cultura extremamente violenta. Só não concebe isto quem não está enxergando a realidade brasileira.

O senhor não credita isso também à corrupção?
É o que eu falei da agenda do debate da corrupção que atinge setores e lideranças importantes do PT, além de lideranças do espectro político brasileiro como um todo.

Agora, é inegável que hoje todo esse processo atinge em cheio o PT, e essa apropriação ocorreu no processo de investigação. Do ponto de vista político-partidário, fez com que o PT se tornasse um símbolo negativo aos olhos da sociedade.

A vinda do Lula foi uma tábua de salvação? Sem ele o governo cairia?
Não, o que penso é o seguinte: infelizmente estamos vivendo um momento de crise –para ser mais explícito, eu caracterizo como uma guerra que se estabeleceu na sociedade brasileira. Estou mais preocupado com a construção do caminho da paz do que de estimular esta guerra.

É evidente que a vinda do ex-presidente Lula unifica o nosso campo político, faz com que a agenda da sociedade seja a agenda de defesa de setores da sociedade que estão conosco, nossa base social. O presidente Lula tem muita facilidade na articulação política, portanto o governo ganha muito na interlocução política.

Então, ministro, a guerra começou, como o sr. disse...
A guerra começou antes, antes havia uma guerra velada e agora ela se tornou explícita.

A entrada do Lula significa a transformação da presidente em uma espécie de rainha da Inglaterra?
Só afirma isso quem não conhece a presidente Dilma. Ela vai continuar sendo a presidente e vai continuar liderando esse projeto. Não é perfil dela abrir mão de suas atribuições. Esqueçam isso. Ela vai cumprir suas atribuições, continuará liderando esse projeto e o presidente Lula sabe disso. Eles se complementam, por isso que deram tão certo no primeiro governo.

A presidente tem feito críticas à atuação do juiz Sergio Moro. O senhor avalia que tem havido excessos por parte dele?
A presidenta jamais criticou a ação do Poder Judiciário, não ouviram críticas dela ao Ministério Público. O que a presidenta está criticando é uma ação, um fato que foi construído e é inegável. Nós podemos até corrigir o fato, o Poder Judiciário pode até refazer a sua posição. Todo mundo erra, ninguém é Deus. Juiz erra, promotor erra, procurador erra, delegado erra, político erra, todo mundo é passível de erro.

Em relação às conversas do grampo?
Sim, há ilegalidade e não sou eu quem está dizendo. Eu ouvi todos os analistas jurídicos dizendo que há ilegalidade e que há um exagero. Em vez de ficarmos no estica-puxa, tem de tomar medidas para corrigir isso.

Foi o Moro quem divulgou as conversas, então houve exageros dele?
Não quero personificar. Houve um fato que configurou exagero. O mais importante é que a gente construa uma sociedade na qual a lei seja maior que as pessoas, na qual as normas e regras e a Constituição Federal sejam maiores que as pessoas. As pessoas passam, as leis e instituições ficam. Ninguém é maior que a lei e que a Constituição Federal.

Por que o sr. acha que o juiz Sergio Moro virou nas manifestações uma espécie de herói nacional?
Natural de um país com a nossa cultura. Nós sempre estamos procurando ídolos. Eu acho natural e, em um momento em que as instituições se enfraquecem tanto, é natural que personalidades acabem emergindo.

O que não pode é achar que existe um salvador da pátria. Toda vez que você acha que tem salvador da pátria, cai na tentação do autoritarismo. O que temos de construir são instituições que funcionam. Os colegiados erram menos que os indivíduos.


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