Folha de S. Paulo


Medida contra Lula segue padrão da Lava Jato

A polêmica medida de condução coercitiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cumprida pela Polícia Federal no último dia 4, segue o padrão das anteriores adotadas na Lava Jato em um ponto crucial: nenhum dos alvos foi intimado para depor anteriormente.

É o que se pode concluir da análise de 111 dos 117 mandados do tipo expedidos em pouco mais de dois anos, em que os afetados são obrigados a acompanhar a polícia para depor (seis não foram localizados pela Folha).

"Seria tão simples ter me convidado para prestar depoimento... Eu iria. Me senti prisioneiro", disse Lula, no dia da ação da PF. A mesma grita foi ecoada pela presidente Dilma Rousseff e por apoiadores do petista em geral: bastava tê-lo chamado.

Os investigadores, contudo, defendem as ordens como elemento-surpresa que facilita a apuração. Os procuradores e policiais costumam argumentar ao juiz Sergio Moro que, se o depoimento é feito no momento em que os investigados tomam conhecimento da apuração, diminuem as chances de combinação de versões.

Também afirmam que isso auxilia no recolhimento de provas nas ações de busca.

O exame dos mandados do tipo expedidos por Moro mostra que a maioria dos alvos eram personagens secundários, para os quais pouca explicação é apresentada. No caso de Lula, a justificativa foi a sua segurança.

Nos mandados já despachados, há 69 pessoas que acabaram não sendo processadas na Justiça nas ações da Lava Jato. Entre eles, há laranjas, familiares de suspeitos de maior expressão ou investigados mencionados brevemente por delatores.

Diferentemente do que ocorreu com Lula, os motivos para a condução não costumam ser detalhados por Moro nos despachos. O magistrado geralmente diz apenas que a medida "não implica cerceamento real da liberdade de locomoção" porque visa somente o depoimento.

No documento relacionado ao petista, Moro pontuou que a condução não significa "antecipação de responsabilidade" e listou motivos de segurança para o depoimento ocorrer daquele jeito.

Em 14 ocasiões, o juiz federal determinou conduções coercitivas ao discordar de pedidos de prisão de suspeitos feitos por Ministério Público Federal ou PF. Disse, por exemplo, que a condução tem um impacto menor do que outras medidas de "constrição".

A força-tarefa do MPF vem afirmando à Justiça ainda que a medida prescinde de ordem judicial porque está entre as atribuições da polícia determinar o comparecimento de pessoas à delegacia para a tomada de depoimentos. E sustenta que isso foi reafirmado por decisão do Supremo Tribunal Federal de 2011, relacionada a um habeas corpus que tramitou em São Paulo.

O delegado Rony José Silva, da Associação de Delegados da PF, que não atua na Lava Jato, defende a condução coercitiva afirmando que é preciso manter o sigilo. "Se eu intimar a pessoa e depois tiver um mandado de busca contra ela, o que vou colher na residência? Nós contamos com o elemento-surpresa."

Os pedidos de condução coercitiva quase nunca são negados por Moro. Uma exceção ocorreu quando os procuradores pediram um mandado contra uma filha do então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. O juiz negou a medida por entender que ela não teve participação direta nos fatos investigados. A mulher do tesoureiro, na ocasião, foi obrigada a depor.

Familiares de outros presos conhecidos da Lava Jato, como o doleiro Carlos Habib Chater e o lobista Zwi Skornicki, também estão na lista de quem já passou por conduções coercitivas. O mesmo aconteceu com funcionários de ex-deputados presos, suspeitos de receber repasses de propinas, e representantes de empresas citadas em delações. Em um dos despachos, Moro disse que entre os alvos "poderia haver testemunhas".

Na fase da Lava Jato que teve Lula como foco, três pessoas também foram levadas a depor para esclarecer de que maneira participaram da retirada de bens do ex-presidente de um depósito pago pela empreiteira OAS.

O advogado Renato Vieira, que coordena projetos legislativos no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, diz que o precedente que motivou a decisão do STF citada pela força-tarefa não dizia respeito às mesmas circunstâncias das conduções coercitivas da Lava Jato. Para o advogado, que tem clientes na operação, a legislação prevê a iniciativa apenas para testemunhas que, sem justa causa, deixam de ir a um depoimento. "A condução coercitiva é um ato de força do Estado e tem uma previsão legal clara. O mandado não se presta a tirar a pessoa de casa para uma busca e apreensão. A questão de combinação de versões também não tem nada a ver."

Os procuradores da Lava Jato disseram em nota que as cortes superiores têm respaldado esse tipo de medida e fizeram um paralelo com o comparecimento de testemunhas e investigados a CPIs.


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