Folha de S. Paulo


Especialistas criticam as peças de acusação contra Lula

Aloisio Mauricio/Fotoarena/Folhapress
São Paulo (SP), 10/03/2016 - Os promotores de Justiça Cassio Roberto Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo, concederam nesta tarde de quinta-feira (10) uma entrevista coletiva no prédio do Ministério Público para explicar as denúncias contra o ex-presidente Lula e mais 15 pessoas envolvidas, incluindo sua esposa Marisa Leticia e seu filho Fábio Luiz. (Foto: Aloisio Mauricio / Fotoarena / Ag. O Globo) ORG XMIT: 1094036 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Os promotores Fernando Henrique Araújo (à esq.), Cassio Conserino e José Carlos Blat

A acusação é "um lixo". Não são promotores, são "três patetas". Deram um "tiro no pé": vão ajudar o ex-presidente Lula com essa acusação tão simplória.

Foi assim que a denúncia e o pedido de prisão do ex-presidente Lula foram avaliados por professores de direito e especialistas ouvidos pela Folha. As duas peças, apresentadas nesta quinta (9) pelos promotores Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, acusam Lula de ter se beneficiado de um tríplex no Guarujá (SP).

O ex-ministro do Supremo Carlos Velloso, 80, disse à Folha que o pedido de prisão não cumpre os fundamentos exigidos pela lei. "É notório que o acusado tem residência fixa, não há sequer indício de que tentaria fugir. Também não há notícia de que o acusado estaria a ameaçar testemunhas, a destruir documentos", afirmou.

Nesta sexta (11), 57 promotores e procuradores do Ministério Público Federal, do Trabalho e dos ministérios públicos de oito Estados, incluindo São Paulo, condenaram a "banalização da prisão preventiva" e "operações midiáticas e espetaculares".

A acusação de que Lula cometeu crime de lavagem de dinheiro também é questionada pelos especialistas Gustavo Badaró e Heloísa Estelitta, professores de direito da USP e da Fundação Getúlio Vargas, respectivamente.

"Lavagem de dinheiro não é um crime abstrato. Tem que ficar demonstrado que o dinheiro lavado foi integrado ao patrimônio do Lula de forma dissimulada. Não vi esse nexo na denúncia", diz Estelitta.

Os promotores acusam Lula de ter recebido um presente de Léo Pinheiro, da OAS, e desistido do imóvel quando a informação tornou-se pública, no final de 2015.

Badaró também considera a acusação frágil: "Para haver lavagem, a denúncia teria de demonstrar que o dinheiro utilizado na compra tem origem criminosa".

VÍTIMA DE PERSEGUIÇÃO

Quatro procuradores da Lava Jato, de Curitiba e Brasília, avaliam que as peças terão uma repercussão negativa na operação por dar a Lula o pretexto para se dizer vítima de perseguição política.

Sob a condição de não serem identificados, eles apontaram o que consideram lacunas técnicas da denúncia.

Um dos problemas apontados é que os promotores não foram claros ao apontar o crime antecedente necessário para fundamentar a acusação de lavagem de dinheiro.

O suposto crime de estelionato contra os mutuários da Bancoop, atribuído a Lula e a dirigentes da cooperativa, foi considerado inconsistente e contraditório.

A reforma do tríplex, paga pela OAS, é investigada como benesse concedida pelo ex-presidente e sócio da empreiteira, Léo Pinheiro, a Lula em troca de favores concedidos pelo petista ao empresário.

Após conhecer o teor da denúncia e do pedido de prisão, o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, traçou a estratégia de não comentar a peça para não azedar a relação com o Ministério Público paulista.

A insatisfação da Procuradoria foi vocalizada por Vladimir Aras, um dos procuradores mais próximos de Janot: "Nunca vi nada igual. Todo mundo comete erros, mas não é possível tamanha inépcia e falta de técnica. O texto é imprestável a qualquer juízo."

No Facebook, ele citou nesta sexta (11) o célebre mea-culpa atribuído a Napoleão Bonaparte após o fiasco militar da Campanha da Rússia (1812): "Do sublime ao ridículo, é só um passo".

Procurados, os promotores não quiseram se pronunciar.

Colaborou BELA MEGALE, de São Paulo

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Perguntas e Respostas

Há provas dos crimes pelos quais Lula é acusado?
Lula é acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Sobre a lavagem, três especialistas ouvidos pela Folha dizem que não há provas de vantagem financeira que ele teria recebido e da ocultação dessa vantagem. Já sobre falsidade, há depoimentos de moradores e trabalhadores de que o tríplex foi reformado pela OAS para o ex-presidente

Lula lavou dinheiro, como dizem os promotores?
A denúncia não aponta qual teria sido a vantagem que ele recebeu no caso do tríplex, já que não ficou com o apartamento, ainda de acordo com professores de direito consultados. Os pesquisadores também dizem que não há provas de como Lula ocultou a vantagem que teria recebido

Há problema pelo fato de o tríplex ser investigado pelo Ministério Público de São Paulo e pelo Ministério Público federal em Curitiba?
Não, segundo decisão da ministra Rosa Weber, do STF. Não haveria conflito, de acordo com ela, porque São Paulo investiga o benefício que Lula teria recebido da OAS enquanto outros moradores eram lesados, enquanto a força-tarefa da Lava Jato apura a reforma feita pela empreiteira

Há provas de que recursos ilícitos foram usados na reforma do tríplex?
Não. O imóvel foi reformado sob orientação de funcionários da OAS e os gastos foram pagos pela empreiteira

Há justificativa para o pedido de prisão?
Não, segundo especialistas ouvidos pela Folha, porque não há provas de que ele estaria destruindo provas, coagindo testemunhas ou esteja planejando fugir

Lula e Marisa tiveram tratamento diferenciado em relação aos outros compradores de imóveis via Bancoop?
Sim, segundo depoimentos colhidos pelo Ministério Público de São Paulo. O apartamento recebeu um elevador e uma cozinha de luxo da Kitchens que não fazem parte dos outros imóveis no mesmo prédio. No final do ano passado, porém, Marisa anunciou que desistira do imóvel


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