Folha de S. Paulo


Derrocada do poder presidencial está no centro da crise, dizem debatedores

Assista

O enfraquecimento do poder presidencial sob o governo de Dilma Rousseff é um dos fatores determinantes para compreender a atual crise política no Brasil. Essa foi a tônica do encontro promovido pela Folha e pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) nesta quarta-feira (9), em São Paulo.

Participaram do encontro "Brasil 2016: impasses da crise política", da série Diálogos, Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Cebrap e professora titular da USP, e Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha.

Segundo Almeida, o poder do presidente da República, com sua capacidade de coordenar a base, foi central na arquitetura institucional brasileira durante todo o recente período democrático. Tal centralidade, expressa no chamado "presidencialismo de coalizão", foi perdida por Dilma.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Maria Hermínia de Almeida, do Cebrap, e Vinicius Mota, da Folha, em debate mediado por Fabio Zanini
Maria Hermínia de Almeida, do Cebrap, e Vinicius Mota, da Folha, em debate mediado por Fabio Zanini

Até meados do segundo governo Lula (2007-2010), de acordo com a pesquisadora, as coalizões encabeçadas pelo PT e pelo PSDB "convergiam" para dois objetivos comuns: a estabilidade da moeda e o compromisso com políticas sociais universalistas.

"O compromisso com a estabilidade da moeda foi afrouxado já no primeiro governo Dilma [2011-2014], dando espaço a uma experimentação talvez desastrada", avaliou.

Para a pesquisadora, entretanto, a democracia brasileira segue firme, assim como o próprio presidencialismo de coalizão –não foi o modelo que se esgotou, afirmou ela, mas o governo Dilma.

Mota enumerou uma série de ações frustradas tomadas por Dilma para preencher a lacuna criada pelo desvanecimento do poder presidencial.

São exemplos: a ida de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda, quando admitida a dimensão do rombo fiscal; a designação do vice, Michel Temer (PMDB), para a articulação política, o que durou pouco; a entrega de ministérios a peemedebistas de baixo escalão; e a nomeação de políticos ligados a Lula para pastas centrais, como é o caso de Jaques Wagner (Casa Civil).

"Foram sempre tentativas de colocar 'band-aid' na deterioração do poder presidencial", disse Mota. "Não dá para dizer que a presidente vá cair. Ainda que enfraquecida, ela é atraente para alguns setores. Não acho que a deterioração do poder presidencial vá se reverter, mas pode ser estancada."

Para o jornalista, contribuíram para a derrocada do poder da presidente, entre outros fatores, a rápida deterioração da economia, o descumprimento das promessas de campanha –que ficou conhecido como "estelionato eleitoral"– e o que ele chamou de "primavera das instituições de controle do abuso de poder", expressa sobretudo na Operação Lava Jato.

A respeito das investigações da Lava Jato, questionados pela plateia, Almeida e Mota disseram não ver uma "partidarização do Judiciário" –tão debatida após a condução coercitiva do ex-presidente Lula, na última sexta (4).

"Há, sim, uma agenda política de pessoas [ligadas à operação] que creem que é possível fazer política de mãos limpas", disse Almeida.

Já Mota afirmou acreditar que o mais importante é o conjunto probatório muito robusto levantado pelos investigadores.

DESFECHO IMPREVISÍVEL

Diante de uma hipotética queda da presidente, tanto a pesquisadora como o jornalista afirmaram ser impossível prever o que virá.

Na avaliação de Almeida, o sistema político brasileiro, multipartidário, é "bastante aberto e competitivo", o que pode permitir o florescimento de novas forças.

"Não estou dizendo que necessariamente a gente vá para um [Silvio] Berlusconi, mas é uma possibilidade", disse, referindo-se ao político italiano que ascendeu após a Operação Mãos Limpas –operação que combateu a corrupção na Itália e tem aspectos apontados como comparáveis à Lava Jato no Brasil.

Mesmo com uma eventual queda de Dilma, concluiu Mota, o impasse político e a realização das reformas necessárias ao país podem arrastar-se por anos.

"Nós podemos encontrar um ponto de acomodação sem que tenhamos encaminhado as grandes questões políticas. O Brasil tem imensa capacidade de empurrar esse impasse por anos a fio. Estamos muito longe do fundo do poço, tem muita lenha para queimar", disse.

"O Brasil não vai quebrar na economia nem na política, o que significaria uma ruptura institucional. Essas hipóteses não se apresentam. Pode ser que a gente decida não decidir. O país ainda pode piorar muito antes de quebrar."


Endereço da página:

Links no texto: