Folha de S. Paulo


análise

Watergate mostra que obstruir investigação pode sair mais caro que as próprias acusações

A história mostra que a interferência na investigação por um presidente pode ser mais custosa do que as próprias acusações.

Isso ocorreu no caso Watergate, que levou à renúncia do presidente americano Richard Nixon.

Se tivesse logo admitido que os arrombadores do diretório nacional do Partido Democrata eram ligados a sua campanha e pedido sua punição imediata, talvez Nixon tivesse escapado.

Era junho de 1972, ele era o favorito disparado para as eleições de novembro –que de fato venceu de lavada– e o bando de desastrados que tentaram obter documentos comprometedores contra seu adversário, George McGovern, teriam provavelmente pegado alguns anos de prisão, encerrando o assunto.

Mas a personalidade paranoica e narcisista de Nixon o levou a se enredar em atos para esconder fatos e impedir que outras ilegalidades cometidas em seu governo viessem à tona. Sua situação política ficou insustentável.

Nixon era avesso a contatos com pessoas em geral e políticos em particular e tinha dificuldade para negociar concessões a fim de chegar a acordos que o beneficiassem.

Tinha pouquíssimos interlocutores em quem confiava e, à medida que a crise se aprofundava, seu número diminuía. Ao final, quando não estava no Gabinete Oval, passava a maior parte do tempo sozinho na ala domiciliar da Casa Branca.

Embora tivesse jurado que nunca renunciaria, acabou optando por essa saída quando constatou que seu impeachment era inevitável em questão de semanas.

Seu sucessor, Gerald Ford, que afinal o indultou irrestritamente, dizia que os crimes que justificam um impeachment são quaisquer crimes que o Congresso decida que justificam um impeachment.

No caso de Nixon, teriam sido os de usar órgãos do governo para obstruir a ação da Justiça, não a invasão do edifício Watergate que havia deflagrado todo o processo.

O desmascaramento de Nixon se deveu ao trabalho desempenhado por imprensa, Congresso e Judiciário, que não se intimidaram com as ameaças e retaliações.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é editor da revista "Política Externa". Foi correspondente da Folha em Washington


Endereço da página: