Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Intervenção excessiva de Dilma na economia pode levar a 20 anos de crise

Recessão e inflação

O Brasil corre o risco de ter duas décadas perdidas seguidas, a atual e a próxima. Isso significaria um longo período de crescimento muito fraco e desemprego elevado.

Essa foi uma das hipóteses levantadas pelo painel que discutiu os problemas econômicos do país durante o Encontro Folha de Jornalismo.

O tema foi debatido pelos economistas Samuel Pessôa e Eduardo Giannetti e pelo jornalista Vinicius Torres Freire. Maria Cristina Frias, editora da coluna "Mercado Aberto", da Folha, fez a moderação da mesa.

"Nunca fui tão pessimista com o Brasil como agora", afirmou Pessôa, que também é colunista da Folha.

O PIB (Produto Interno Bruto), que mede a riqueza produzida por um país, não cresceu em 2014 e encolheu no ano passado. As projeções para 2016 são de nova recessão e recuperação débil —com risco de nova retração— em 2017.

O quadro é um dos mais dramáticos da história brasileira. A última vez em que a economia registrou dois anos seguidos de contração foi no biênio 1930-31.

Três anos consecutivos de recessão constituiriam um fato inédito desde, pelo menos, 1901, quando começa a série histórica oficial de dados.

Para Giannetti, ainda é difícil afirmar se essa é a pior crise que o Brasil já enfrentou. Ele lembrou os anos 1980, marcados por retrações econômicas, desemprego alto e inflação galopante.

"Essa crise é pior do que a dos 80? Ainda é difícil dizer. Toda crise, enquanto a enfrentamos, é a pior, porque gera angústia e não sabemos onde vai terminar", disse.

Mas o economista concordou com Pessôa que a situação atual é grave: "O pior dado de 2015, para mim, foi a perda de 1,5 milhão de empregos formais."

ORIGEM

O que faz com que a crise atual seja de difícil resolução é sua gênese complexa.

Embora parte do problema tenham sido erros de política econômica cometidos no governo de Dilma Rousseff (PT), outras causas remontam a escolhas feitas pela sociedade na Constituição de 1988.

A decisão da população de ter um Estado de proteção social com padrões europeus, segundo Pessôa, levou a um forte aumento da carga tributária —de 20% em 1980 para 35,4% em 2014— e a um governo central inchado, que "não cabe em si próprio".

O economista citou como exemplo os gastos do Brasil com Previdência, equivalentes a 12% do PIB, mesma fatia destinada à seguridade social pela Alemanha, que tem uma população idosa, proporcionalmente, bem maior do que a brasileira.

"Deveríamos gastar um terço do que a Alemanha gasta com Previdência", disse.

Fatores como o excesso de casos de aposentadorias precoces e a falta de uma idade mínima para se aposentar explicam a elevada despesa com seguridade no Brasil.

Por isso, especialistas defendem há muito tempo a necessidade de mudanças nas regras da Previdência, que freiem a alta de gastos.

Parte do dinheiro destinado à seguridade poderia ter outro destino, como investimentos em infraestrutura, que encolheram, como fatia do PIB, nas últimas décadas.

Devido à severidade da crise, o tema tem sido debatido. A presidente Dilma Rousseff falou recentemente sobre a urgência de uma reforma. Mas o assunto é sensível e enfrenta resistência, por exemplo, de centrais sindicais.

Segundo Giannetti, outro legado da Constituição de 1988 que prejudica o crescimento é o fato de que larga parcela da receita com impostos vai primeiro para o governo federal e, depois, é distribuída a Estados e municípios.

Isso ocorre, segundo o economista, porque nem sempre a alocação das verbas pelo governo atende às necessidades das administrações locais. "Essa história de o dinheiro ir para Brasília e depois voltar gera ineficiência. Brasília vai ter de encolher."

Segundo os debatedores, a essa herança que constrange o crescimento somaram-se erros de política econômica cometidos nos últimos anos.

A intervenção do governo na economia aumentou por meio, por exemplo, de subsídios distribuídos a alguns setores. Isso provocou forte aumento dos gastos públicos.

"Houve uma tentativa fracassada de replicar o modelo de desenvolvimento asiático", disse Pessôa. Segundo ele, a expansão robusta de países da Ásia não se deveu à intervenção econômica estatal, mas à alta poupança doméstica e a investimentos em educação. "Houve um erro de diagnóstico", disse.

A disparada dos gastos públicos levou a um buraco nas contas do governo, elevou a inflação e a dívida pública. Isso reduziu a capacidade de investimento do governo, freou o consumo das famílias, provocando forte retração da atividade econômica.

Para Vinicius Torres Freire, colunista da Folha, a deterioração das contas públicas nos últimos anos foi possível por causa da fraqueza das instituições brasileiras.

Segundo ele, mecanismos como a Lei de Responsabilidade Fiscal (que impõe limites aos gastos públicos) foram fraudados e organismos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União, reagiram lentamente.

Faltou ainda, disse Freire, reação crítica às políticas oficiais por parte de organizações da sociedade civil. "Em países com instituições mais fortes, isso não teria ocorrido."

Veja os bastidores do Encontro Folha de Jornalismo:

Encontro Folha


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