Folha de S. Paulo


Direitos são respeitados, dizem os 'pais' da delação premiada

A delação premiada se popularizou tanto com a Operação Lava Jato que alguns clientes já escolhem seus advogados pensando em fazê-la.

"Aumentou a procura de réus interessados em considerar, até pela exposição que [a estratégia] recebeu", afirma o criminalista Adriano Scalzaretto, que atuou na colaboração de Fernando Moura, lobista ligado a José Dirceu.

Embora a possibilidade de fechar os acordos já existisse no Brasil, as regras de forma clara foram fixadas pela Lei de Organizações Criminosas, sancionada em 2013.

Para especialistas, que preferem o termo "colaboração" a "delação", isso criou mais condições para que acertos fossem fechados.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Lava Jato, exemplifica: "No caso Banestado, tivemos 17 acordos. Na Lava Jato, tivemos mais que o dobro".

Lima é veterano da equipe que negociou, em 2004, delações para investigar escândalo de evasão de divisas que envolvia inúmeros doleiros que usaram contas correntes no Banestado (Banco do Estado do Paraná). Segundo ele, o modelo adotado no caso pelo Ministério Público foi consolidado pela lei de 2013.

Os mentores da lei afirmam que o texto foi redigido de maneira a preservar os direitos individuais, já que a delação, tida como ferramenta de investigação eficaz, é vista com ressalvas por advogados.

"Fizemos questão de colocar, por exemplo, que o juiz não participará do acordo e só entra na fase de homologação" explicou o ex-deputado Vieira da Cunha, relator do projeto na Câmara.

Vieira da Cunha, hoje secretário de Educação no Rio Grande do Sul, ressalta também que, pela lei, o colaborador é sempre acompanhado por seu advogado, e o juiz pode ouvir ambos sigilosamente, sem a presença de procurador.

Para Lima e Cunha, são infundadas as queixas de defensores de réus da Lava Jato, segundo os quais há coação para delatar, inclusive com o uso de prisões preventivas autorizadas pelo juiz Sergio Moro.

"Existe muito mais chance [instâncias] para a defesa que para a acusação. E nenhuma dessas delações caíram até hoje", disse Lima, acrescentando que 70% a 80% dos acordos da Lava Jato foram feitos com réus soltos. "Em nenhuma hipótese nós mandamos algum recado para alguém dizendo que nós queremos que ele faça delação."

"Se houver coerção, a colaboração não será válida", afirmou o ex-deputado.

A ex-senadora Serys Slhessarenko, autora do projeto de 2006 que deu origem à lei, segue a mesma linha: "Espero que não estejam existindo excessos e creio que as atitudes que ele [Moro] está tomando sejam necessárias para que a investigação aconteça".

Entidades ligadas aos direitos de defesa chegaram a participar da elaboração da lei, por interlocução do Ministério da Justiça.

A Rede Justiça Criminal, coletivo de organizações da área, conseguiu que Vieira da Cunha mudasse a redação do projeto final para que apenas grupos de quatro ou mais pessoas pudessem ser considerados uma organização criminosa. Versão anterior de Cunha falava em três pessoas.

Associações ligadas a juízes, ao Ministério Público e a delegados também participaram das discussões. "Toda vez que você coloca regras bem claras, você evita que qualquer um dos lados, seja o Ministério Público, seja a defesa, crie subterfúgios", explicou Scalzaretto.


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