Folha de S. Paulo


Opinião

Impeachment mal fundamentado abre precedente preocupante

Alan Marques - 17.set.15/Folhapress
Eduardo Cunha recebe de Miguel Reale Jr. e da filha de Hélio Bicudo pedido de impeachment contra Dilma
Eduardo Cunha recebe de Miguel Reale Jr. e da filha de Hélio Bicudo pedido de impeachment de Dilma

Observadores menos apaixonados do cenário político brasileiro concordarão com os seguintes pontos. Primeiro, a presidente Dilma Rousseff mostrou habilidade de liderança aquém do necessário na Presidência da República. Segundo, não obstante, o pedido de impeachment contra ela carece de bases jurídicas robustas.

A fragilidade jurídica do pedido de impedimento o torna um processo primordialmente político. Quero dizer com isso que ele é uma consequência de o Executivo ter perdido o controle da maioria parlamentar no Congresso.

O impedimento de um chefe de governo por tal motivo é típico de regimes parlamentaristas, onde a autoridade do Executivo se assenta na maioria parlamentar e é natural que saia do jogo quando a perde. O instrumento é geralmente conhecido como "recall" ou voto de desconfiança.

Tal mecanismo é estranho a regimes presidencialistas, como o brasileiro. A arquitetura institucional desses regimes implica que a perda da maioria parlamentar pode levar a imobilismo e paralisia do poder público, mas não a impedimento do chefe de governo.

Um impedimento de bases frágeis geraria um precedente perigoso: a potencial introdução do voto de desconfiança em um regime presidencialista. E a possibilidade de impedir um presidente por motivo pouco excepcional, como se tenta atualmente, deslocaria poder do Executivo para o Parlamento. Com as instituições políticas vigentes no Brasil, as consequências seriam no mínimo preocupantes.

Em primeiro lugar, nos regimes com parlamentos fortes, os parlamentares são muito mais ligados às suas bases eleitorais do que no Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, cada parlamentar tem um distrito específico no qual ele é cobrado pelos eleitores, que o reconhecem como seu representante no Parlamento.

Já no Brasil, a mistura de distritos gigantes, voto proporcional e lista aberta faz com que os parlamentares tenham pouquíssimo incentivo para responderem ao eleitorado. É emblemático que a grande maioria sequer se lembre para quem votou para deputado.

Segundo, os próximos presidentes ficariam sobe constante ameaça de um possível impeachment caso não mantenham uma base parlamentar coesa. O apoio individual de cada parlamentar passa a valer mais, e o Executivo seria obrigado a satisfazer a sanha dos congressistas por mais recursos públicos por meio de emendas, contratos com empresários camaradas ou cargos no governo.

DESCONFIANÇA

Por fim, será mais improvável que o chefe do Executivo implemente medidas impopulares. Tais medidas são quase inevitáveis quando se quer combater inflação ou responder a crises fiscais.

Comparado a um presidente que tem a certeza de que cumprirá seu mandato e que poderá colher os frutos dessas medidas, um presidente constantemente ameaçado com o voto de desconfiança vai titubear muito mais em implementá-las.

O deslocamento de poder do Executivo para o Congresso deve causar preocupação também naqueles que simpatizam com o parlamentarismo. Regimes parlamentaristas possuem mecanismos institucionais que amenizam as consequências da redistribuição de poder do Executivo para o Parlamento - distritos eleitorais menores e menos partidos. Não é o caso do Brasil.

O precedente gerado por um impeachment essencialmente político pode criar mais uma jabuticaba institucional de gosto bastante amargo.

DANILO LIMOEIRO é doutorando em ciência política pelo MIT, mestre pela Universidade de Oxford e autor de "Além das Transferências de Renda" (Editora UnB).


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