Folha de S. Paulo


Pasadena foi comprada para honrar compromissos de Gabrielli, diz delator

Pedro Ladeira-25.jun.2014/Folhapress
Ex-presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli fala durante CPI mista em Brasília

Principal foco da nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta segunda-feira (16), a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, rendeu pelo menos US$ 15 milhões em propina, segundo as investigações.

A Polícia Federal se alimenta de novas informações prestadas por delatores. Além do operador Fernando Soares, o Baiano, colabora com as investigações um novo informante: o engenheiro Agosthilde Mônaco de Carvalho, ex-funcionário da Petrobras.

Segundo ele, a compra de Pasadena foi feita para "honrar compromissos políticos" do então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. Carvalho diz ainda que a negociação foi realizada "na bacia das almas", já que a refinaria dos EUA tinha uma série de problemas operacionais.

Mônaco era assistente do então diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, preso desde janeiro e réu em dois processos da Lava Jato. Em seu depoimento, ele afirmou que Cerveró foi afastado da diretoria da Petrobras porque foi pressionado a pagar R$ 400 mil mensais à bancada do PMDB de Minas Gerais. Como não pagou, acabou saindo do cargo.

Foi ele quem contou que Pasadena foi apelidada, internamente, de "ruivinha", por causa da quantidade de equipamentos enferrujados –daí o nome da 20ª fase da Lava Jato, Operação Corrosão.

Nesta segunda (16), a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nas residências de ex-funcionários da Petrobras envolvidos no negócio, suspeitos de terem recebido parte da propina.

Para o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, as investigações sobre Pasadena, que foram recentemente remetidas ao Paraná, podem gerar inclusive a anulação e o ressarcimento da compra da refinaria pela Petrobras.

"Foi um péssimo negócio em que muitos se beneficiaram", declarou Lima em entrevista coletiva realizada pela manhã em Curitiba. "Havia um excessivo nível de corrosão dos princípios institucionais da estatal."

Os prejuízos da compra de Pasadena pela Petrobras ocorreram quando a presidente Dilma Rousseff era ministra da Casa Civil do governo Lula. Ela presidia o conselho da Petrobras quando a compra foi autorizada e votou a favor do negócio.

O negócio foi alvo de inúmeros questionamentos, inclusive do TCU (Tribunal de Contas da União), e resultou num prejuízo estimado de US$ 792 milhões à Petrobras.

BASTIDORES

Foi Mônaco quem prospectou o negócio nos Estados Unidos, a pedido de Cerveró.

A refinaria, que pertencia à Astra Oil, estava muito abaixo dos padrões técnicos da Petrobras: tinha equipamentos desgastados, problemas de segurança e funcionários desmotivados.

Ainda assim, de acordo com o engenheiro, Cerveró "abriu um sorriso" quando foi informado da possibilidade de compra de Pasadena, porque assim poderia "deixar bastante satisfeito o presidente da Petrobras" em 2006, Gabrielli.

Segundo Cerveró, o negócio "mataria dois coelhos com uma única cajadada": permitir o refino do óleo do campo de Marlim, que era extraído na bacia de Campos, e fazer com que Gabrielli "honrasse seus compromissos políticos".

Uma comissão técnica, que visitou a refinaria em março de 2005, comunicou as péssimas condições do local a Cerveró. O então diretor, segundo Mônaco, respondeu: "Não se meta, isso é coisa da presidência [da Petrobras]".

No ano seguinte, a estatal acertou a compra de 50% da unidade por US$ 360 milhões.

O negócio, segundo Mônaco, envolveu o pagamento de US$ 15 milhões em propina a funcionários da estatal, pagos por meio de contas no exterior (em países como Suíça, Uruguai e Panamá). Esses valores foram confirmados por Fernando Baiano.

REMODELAÇÃO

Mônaco ainda conta que, como Pasadena estava em péssimas condições operacionais, o plano da Petrobras era fazer uma remodelação da unidade, chamada de "revamp" –o que demandaria uma obra de grande porte.

Segundo o relato do delator, Gabrielli já teria indicado a Odebrecht para a realização da obra, junto com outras empreiteiras convidadas.

O então presidente da estatal estava "muito interessado em resolver o assunto e dar a obra para a Odebrecht", segundo Mônaco. A reforma da unidade, porém, não chegou a ser feita.

O então diretor da Astra Oil, Alberto Feilhaber, teria se queixado a Mônaco que a Petrobras tentava "empurrar goela abaixo" a contratação da empreiteira para a remodelação. A obra nem sequer havia sido prevista quando da compra de Pasadena.

Esse e outros fatos levaram os dois sócios a um litígio judicial. A Petrobras acabou fechando um acordo e comprou os outros 50% da refinaria em 2012, por US$ 820 milhões.

Em sua delação, Mônaco também afirma que, entre 2010 e 2012, ouviu que Feilhaber disse que "estaria disposto a pagar a quantia de US$ 80 milhões a US$ 100 milhões para resolver definitivamente o problema" do litígio judicial de Pasadena.

Anteriormente, segundo Mônaco, Failhaber havia pedido "uma força" para que a Petrobras fechasse logo a venda, já que estaria precisando de dinheiro.

OUTRO LADO

O advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, diz que a defesa "não confirma absolutamente nada" da delação de Mônaco, e questiona os depoimentos.

"Essas delações não têm valor probatório algum. Como todos sabem que só sai da cadeia quem delata, então as pessoas passam a falar o que o Ministério Público quer ouvir, não importa se verdadeiro ou não."

Em nota, Gabrielli classificou a delação de Mônaco como uma "ilação irresponsável", e ressaltou que o engenheiro não apresenta qualquer prova de suas acusações.

O ex-presidente da Petrobras sustenta que as declarações não fazem acusação direta a ele, "sempre se referindo a 'ouvir dizer', 'fulano comentou', 'sicrano disse'". "É uma irresponsabilidade que atenta contra a verdade e que, sem dúvida, não se sustenta perante a Justiça", escreveu.

Gabrielli também afirmou que a compra de Pasadena foi coerente com o plano de negócios da Petrobras e realizada por um valor abaixo do mercado na época, mas sofreu reflexos da crise internacional e da expansão da oferta de petróleo nos Estados Unidos a partir de 2008.

O PMDB de Minas afirmou que as acusações se referem a um período em que o comando do partido era outro e, por isso, não tem nada a declarar.

A Odebrecht confirma que foi consultada pela Petrobras sobre a remodelação de Pasadena, em 2006. A empresa respondeu que tinha interesse na obra, preferencialmente por meio de consórcio com outras construtoras, mas o processo não foi adiante.

"Vale ressaltar que a citação ao nome da Odebrecht foi feita por um delator, fazendo menção a uma suposta afirmação de um ex-diretor da Petrobras, que, por sua vez, teria sido baseada em suposta frase atribuída ao ex-presidente da estatal", respondeu a empreiteira, em nota.

20ª FASE DA LAVA JATO

Na 20ª fase da Lava Jato, a PF prendeu na manhã desta segunda-feira um novo operador do esquema de corrupção da Petrobras e um ex-funcionário da estatal.

Também foram alvos, para buscas e apreensões, endereços de ex-funcionários da Petrobras em cinco cidades de dois Estados (RJ e BA).

Para o delegado Igor de Paula, os envolvidos eram "pessoas responsáveis por, na prática, não deixar que um negócio como esse [a compra de Pasadena] acontecesse".

Lava Jato Pasadena


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