Folha de S. Paulo


Dilma deve recalibrar economia, diz Haddad

Zanone Fraissat/Folhapress
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), em entrevista exclusiva à Folha
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), em entrevista exclusiva à Folha

O governo federal não conseguirá simultaneamente domar a inflação e estabilizar a dívida pública, e por isso deve promover mudanças na atual política econômica. A opinião é do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que recebeu a Folha em seu gabinete para a seguinte entrevista:

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Folha - O senhor está querendo descolar sua imagem do PT?

Fernando Haddad - Sempre disseram que eu tinha uma imagem descolada do PT. Até o Lula dizia que eu tinha que me lançar candidato a prefeito de São Paulo porque era o petista com mais cara de tucano.
O senhor já fez ironias que remetiam à senadora Marta Suplicy, dizendo que é "tão mais fácil" sair do PT, ainda mais para, como ela fez, se mudar para partidos "mais éticos" como o PMDB. No entanto, a legenda integra seu governo.

Eu cortejo todos os partidos que têm, do ponto de vista programático, algum alinhamento com uma visão mais moderna e progressista. Agora, todas as legendas têm quadros problemáticos. O que eles têm que demonstrar é capacidade de reagir quando alguém se desvia.

O PT tem alguma chance de superar o desgaste causado por sucessivos escândalos?

O PT ajuda a organizar a agenda política do país, as demandas, ajuda a dar racionalidade ao processo político. Vai ser muito ruim para a direita não ter o PT.

O senhor vislumbra a possibilidade de o PT, por exemplo, se fundir a outra legenda?

O PT já demonstrou capacidade de resiliência muito grande. A situação é mais grave do que sempre foi, e na minha opinião nós estamos efetivamente correndo o risco de uma desorganização da política no Brasil.

Já não estamos vivendo isso?

Estamos neste momento correndo o risco. Eu não dou de barato que forças obscurantistas e aventureiras tomem a cena. Mas esta hipótese está colocada.

O PT deveria assumir que praticou corrupção?

Nada supera a força do exemplo. Eu estou à frente do executivo da maior cidade do Brasil. A melhor coisa que posso fazer é mostrar que é possível administrar uma cidade desse porte com correção –não só com gestos pessoais mas também com gestos institucionais.

Nos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, isso foi feito. Os ministérios, e mesmo a administração indireta, sofreram investigação de órgãos que o PT criou ou para os quais deu força e autonomia, como a CGU (Controladoria Geral da União), o Ministério Público, a Polícia Federal. Onde erramos? Não criamos a mesma governança no plano das estatais. E isso vai ter que ser feito.

O senhor acha que Dilma e Lula nunca souberam de nada?

Eu tenho um grau de confiança absoluto nos dois.

O senhor também compartilha do temor já revelado por petistas de que possa estar em curso uma ação com o objetivo de levar à prisão de Lula?

Eu não saberia te dizer.

Como o senhor vê a condução da política econômica?

Alguns desequilíbrios importantes foram acumulados em 2013 e em 2014, como a questão do câmbio, de preços administrados e de algumas desonerações. Há uma disputa de versões: o governo diz que combatia a crise e defendia emprego e renda. A oposição ataca, dizendo que isso era irresponsabilidade. Mas o fato é que ninguém contesta esses desequilíbrios.

E as soluções apresentadas agora pelo governo Dilma?

O governo se colocou dois objetivos: trazer a inflação para o centro da meta e estabilizar a relação dívida/PIB. De um lado, adotou uma política monetária mais austera e, de outro, uma política fiscal austera. A minha percepção é a de que existe uma contradição. O governo não conseguirá promover as duas coisas simultaneamente. A política monetária está corroendo a política fiscal. Talvez essas políticas tenham que ser recalibradas, para a retomada do crescimento. Tem que recalibrar.

E se isso não ocorrer?

Talvez você tenha um comprometimento do emprego acima do suportável. Até onde essa política é sustentável do ponto de vista político? Eu creio que o próprio governo já deve estar fazendo essa reflexão, para os seus próprios objetivos, que são meritórios.

O senhor defende a saída do ministro Joaquim Levy?

Eu não acho que o Levy seria necessariamente obstáculo a uma revisão.

O sr. já tem quase três anos de mandato. E não está conseguindo cumprir promessas eleitorais.

Das 123 metas que estabelecemos, cem devem ser cumpridas integralmente. As mais difíceis são as que dependem de recurso federal. Assim que tivermos sinal verde, daremos curso a esses empreendimentos. Ainda assim, estamos batendo recordes de investimentos.

O sr. sempre disse que a cidade estava quebrada.

Quando assumi, São Paulo era tecnicamente insolvente. A dívida consolidada era impagável. E por que a cidade atinge agora o grau de investimento da Fitch? Porque a gestão financeira foi impecável nesses três anos. Contratos foram revistos. Superamos o problema dos precatórios. Renegociamos a dívida com a União. Criamos uma secretaria de combate à corrupção. E mandamos para a Câmara a reforma da Previdência.

O que muda com esse selo?

Ele abre uma janela para o desenvolvimento urbano da cidade com alavancagem do investimento. Posso tomar recursos, fazer parcerias público-privadas. O PAC... As pessoas diziam: "Para que você vai licitar essas obras"...

Se Dilma não manda dinheiro?

[risos]...Se o governo federal está sem recursos para honrar os seus convênios com a cidade? São Paulo agora abre a possibilidade de se autofinanciar junto à comunidade internacional. Estamos dando condições para as próximas administrações não passarem pelos constrangimentos que todas, até esta, passaram. [Os ex-prefeitos] Marta Suplicy deu calote, José Serra deu calote.

O sr. foi da equipe de Marta.

Há dois governos Marta: um até o João Sayad [ex-secretário de Finanças], de quem eu era chefe de gabinete; e outro pós-Sayad. Nós pedimos demissão porque houve um relaxamento absurdo das finanças. Ela gerou passivo enorme para fazer túneis desnecessários, ponte estaiada em que não passa ninguém.

É verdade que no Palácio do Planalto sequer atendem aos telefonemas do senhor?

[rindo] Não chega a tanto.

Dilma Roussef dá a importância necessária a São Paulo?

Eu diria que tem uma janela de oportunidade que não está sendo percebida com a devida atenção.

A população está insatisfeita, segundo as pesquisas.

Políticas estruturais nunca renderam prestígio. O [ex-governador Mario] Covas passou o seu primeiro mandato [de 1995 a 1998] colocando ordem no Estado. E quase ficou em quarto lugar na eleição. Se não fosse o apoio do PT [no segundo turno de 1998], perdia. Mas ele sabia que o destino tinha lhe imposto tarefas de difícil equação.

A periferia, que sempre deu vitória ao PT, está insatisfeita.

São circunstâncias muito complexas. Há a questão do PT, do governo federal e ainda a recessão. E nós ainda não tivemos a oportunidade de defender a gestão. A imprensa aponta as deficiências. E as qualidades? Onde aparecem? Ainda mais agora que você tem candidatos que são diretamente ligados a grupos de comunicação [Luiz Datena, da TV Bandeirantes, Celso Russomanno, da TV Record]? Tem uma narrativa que precisa ser construída. E isso em geral é feito na campanha. A Marta tinha, em março de 2004, 22% de ótimo e bom. Depois da campanha, tinha 48% de ótimo e bom. E mesmo assim perdeu. Então São Paulo é mais conhecida por quem derrotou [nas eleições para prefeito] do que por quem elegeu, né? Fernando Henrique Cardoso já perdeu, Geraldo Alckmin, Serra e Marta já perderam. Até hoje ninguém foi eleito e reeleito.


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