Folha de S. Paulo


Lobista preso diz que levou demandas a campanhas presidenciais de 2014

Antônio Gaudério - 30.out.2001/Folhapress
ORG XMIT: 290101_1.tif O empresário Alexandre Paes dos Santos, acusado de tentativa de extorsão contra o Ministério da Saúde, em entrevista à Folha de S.Paulo fala de sua agenda apreendida em Brasília. Segundo ele, páginas teriam desaparecido depois da apreensão. Rio de Janeiro (RJ), 30/10/01, Foto de Antônio Gaudério/Folhapress
O empresário Alexandre Paes dos Santos, em foto de 2001

Ao receber a Folha para uma entrevista no último dia 16 de setembro, no escritório de seu advogado no Lago Sul em Brasília, o lobista Alexandre Paes dos Santos, 61, dizia estar convicto da fragilidade das provas levantadas contra ele até então na Operação Zelotes.

"Não tem nada, não tem nada", repetiu várias vezes.

Nesta segunda-feira (26), APS, como é conhecido, foi um dos seis presos preventivamente, por ordem da Justiça Federal, na nova fase da Zelotes, sob suspeita de envolvimento na venda de medidas provisórias em benefício do setor automotivo.

A operação da PF investiga um esquema de sonegação fiscal onde se suspeita que quadrilhas atuavam junto ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, revertendo ou anulando multas.

Foi a primeira vez em mais de 30 anos de atividade em Brasília que APS se viu atrás das grades. Não que sua carreira tenha sido isenta de polêmicas –inclusive em contatos com as campanhas presidenciais de 2014.

Em 2001, a Polícia Federal apreendeu uma agenda em seu poder com o nome de vários deputados federais e valores acompanhados da letra "K". Para a PF, tratava-se de uma lista de propinas.

Descobriu-se também que APS pagava um motorista para um assessor do então ministro da Fazenda Pedro Malan.

A investigação teve início quando APS procurou uma jornalista que prestava serviços ao Ministério da Saúde, durante a gestão do hoje senador José Serra (PSDB-SP), para dizer que um funcionário do órgão fazia extorsão contra empresas, pedindo dinheiro para a campanha do tucano à Presidência.

Ela disse que APS lhe contou ter uma fita gravada de um encontro com o então secretário nacional de Assistência à Saúde. Acionada pelo próprio Serra, a PF nunca encontrou as tais fitas nem comprovou a extorsão. Depois, APS disse não ter falado em fitas.

"O que eu disse é que ouvira falar em São Paulo que pessoas do ministério andavam pedindo dinheiro para liberar registro de medicamentos. Mas ouvi dizer, não tenho nomes, não tenho fitas", disse APS na ocasião.

O funcionário acusado por APS disse que o lobista criou a história como tentativa de intimidá-lo porque havia restrições à compra de um medicamento.

ZELOTES

No início de 2015, a Zelotes listou um total de oito indiciamentos de APS na PF por suspeita de tráfico de influência e corrupção ativa em inquéritos diferentes.

Para a PF, conforme relatório da Zelotes, APS é "um conhecido lobista desta capital federal, outrora envolvido em diversas negociações de empresas privadas com o governo federal, se utilizando para isso de qualquer sorte de manobra a fim de alcançar seus objetivos".

Natural do Rio, APS chegou a Brasília nos anos 70, onde logo abriu um escritório de lobby. Casou-se com uma filha do deputado federal Paes de Andrade (PMDB-CE), que presidiu a Câmara dos Deputados entre 1989 e 1991 e morreu este ano.

Em setembro, APS disse à Folha que sua consultoria "é institucional, começou na década de 70 em Brasília e representa clientes, associações de classe, empresas privadas, junto ao governo e outras entidades".

Fernando César Mesquita, ex-diretor de comunicação do Senado e ligado ao ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) –cuja residência também foi alvo de uma busca e apreensão na segunda-feira–, disse que APS, de quem se declara amigo, foi um dos mais ativos e conhecidos lobistas de Brasília.

"O Alexandre tinha um escritório no Setor Comercial Sul. Ele era, realmente, o grande lobista, com mais de 50 empresas [como clientes]. E era uma grande fonte de informações de jornalistas. Porque ele transitava nessa área empresarial e sabia de tudo", disse Mesquita.

"Apesar das coisas dele, das trapalhadas dele, eu não vou deixar de ser amigo dele, eu não sou juiz", disse Mesquita, que também nega qualquer envolvimento com irregularidades investigadas na Zelotes.

CLIENTES

Os clientes de APS diminuíram, segundo Mesquita, depois do caso no Ministério da Saúde. APS se recusa a fornecer os nomes dos seus clientes.

A reportagem confirmou um, a ABDIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base), que informou ter pago R$ 20 mil mensais de 2009 a 2014 para "consultoria parlamentar junto ao Congresso Nacional abrangendo o acompanhamento das propostas apresentadas em plenário, da atuação das comissões permanentes e temporárias, e de toda a tramitação legislativa".

A ABDIB tem como associados alguns dos principais bancos, empreiteiras e empresas de energia do país.

A mais recente crise por que passa APS começou a ser delineada entre 2008 e 2009, quando, segundo ele, conheceu o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva e dele se tornou sócio em uma firma de consultoria. O Carf é o conselho vinculado ao Ministério da Fazenda que julga recursos contra multas aplicadas pela Receita Federal.

Segundo APS, a ideia era montar um escritório compartilhado, onde ele e Silva bancariam as despesas administrativas mas teriam "clientes separados".

"Eu nunca tive negócios no Carf e nenhuma dessas empresas que eu representei em Brasília, até dezembro do ano passado, teve interesse junto ao Carf", defendeu-se APS à Folha.

Mas a parceria, na versão de APS, logo acabou. Segundo ele, houve um desarranjo em torno dos gastos para a reforma do escritório, que funcionou em uma casa no Lago Sul.

NA MIRA

A partir daí, porém, APS entrou na mira da Zelotes. A PF descobriu que por três anos APS vendeu e comprou créditos de energia elétrica por meio da sua empresa, a Davos Energia.

Entre 2009 e 2013, entraram R$ 183 milhões nas contas da empresa. A sua firma de consultoria movimentou outros R$ 30 milhões no mesmo período.

APS diz que saiu da Davos Energia em 2013 por divergências com seu então sócio, Eduardo Valadão, que também foi preso pela PF na segunda-feira (29).

"Valadão vendeu a energia, recebeu o dinheiro e não entregou a energia. E esse dinheiro foi colocado na conta de um parente dele. E eu saí da sociedade e entrei na Justiça em São Paulo com uma queixa-crime sobre esse assunto", disse APS.

ELEIÇÕES 2014

A Zelotes interceptou conversas telefônicas de APS. Em uma delas, no ano passado, ele explicou a um interlocutor que o então candidato presidencial do PSDB à Presidência, Aécio Neves (MG), havia se comprometido a recebê-lo para uma conversa durante a campanha. Ele pretendia apresentar ao candidato reivindicações de um setor empresarial que não fica claro na conversa.

APS comentou que também já havia falado com Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil, e iria procurar "falar diretamente com a presidente" Dilma Rousseff "para saber com quem tem que falar para poder direcionar". Segundo APS, Erenice reclamou com ele que "é tanta gente no PT para poder coordenar que é complicado".

À Folha, APS disse que "algumas associações de classe" o procuraram, na campanha de 2014, para que pudessem apresentar seus "programas de governo" aos candidatos.

"Acredito que um ou dois encontros aconteceram. Acredito que com a campanha do PSDB, e eu não sei se teve outros. Teve uma outra campanha que era do candidato que faleceu, Eduardo Campos. Alguém fez contato com o comitê dele, mas eu não estava presente", disse APS.

Até então, não se sabia que a Zelotes também investigava a suposta venda de MPs pelos governos Lula e Dilma.

Ao decidir pela sua prisão preventiva e de outras cinco pessoas, a juíza da 10ª Vara Federal do DF Célia Regina Ody Bernardes escreveu que elas fazem "da prática de crimes seu meio de vida". Sobre APS, concluiu que "para salvaguardar a instrução criminal, é necessário afastá-lo de seu meio de influência".

O Ministério Público Federal informou à juíza que APS mantém "empresas e imóveis" no exterior. A Folha localizou o telefone de um apartamento em seu nome em Miami (EUA).


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