Folha de S. Paulo


Economista que ajudou a criar Plano Real defende 'perdão' à corrupção

Paula Paiva - 19.abr.2013/Valor
Data: 19/04/2013 Editoria: Cultura Reporter: Robinson Borges Local: Sao Paulo, SP Pauta: Entrevista com o economista Andre Lara Resende Setor: economia Tags: livro, perspectivas, visao, crescimento, inflacao, mercado, pais, ponto de vista, analise, desenvolvimento, pais. Personagem: Andre Lara Resende, economista, fotografado em seu escritorio durante entrevista ao Valor. Foto: Ana Paula Paiva/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS*** ORG XMIT: AGEN1304261119326910
O economista André Lara Resende, que fez parte da equipe que criou o Plano Real

Em uma aula na Universidade Columbia, uma das melhores do mundo, o economista André Lara Resende, 64, defendeu um "perdão" consciente a atos de corrupção, pacto que permitiria a superação da agenda de crise no Brasil.

"Temos uma sociedade de baixo capital cívico [conceito que ele define como o estoque de crenças e valores que estimulam a cooperação entre as pessoas]. O que causa a mudança?", introduziu. "Vou dizer uma coisa bastante provocativa. Minha impressão é que, quando você tem uma crise como a que temos no Brasil, com a Lava Jato [operação que investiga a Petrobras], a forma que podemos usá-la para provocar uma mudança é dizer: Vamos começar do zero, vamos superar o passado", disse, na quarta-feira (14).

"Mas quem diria isso?", questionou uma espectadora. No curso de pós-graduação em economia do professor brasileiro Sidney Nakahodo, havia alunos brasileiros e estrangeiros, outros professores e convidados, além do economista Edmar Bacha, cuja fala se deu uma semana antes. A Folha estava na sala.

"Não é quem, mas como", Resende respondeu. "Em um almoço, estávamos discutindo a questão do perdão. Eu acho que há algo inteligente. Se você leva a lógica da vingança adiante, de um lado a outro, você termina em confusão. A certo ponto, você tem que dizer 'ok, entendido. Isso faz parte do passado e recomeçaremos de outra base'."

O economista fez parte da equipe que formulou o Plano Real e presidiu o BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso. Afastou-se da política, passou anos no mercado financeiro e, na última campanha presidencial, em 2014, atuou na equipe econômica de Marina Silva (Rede).

Na Columbia, ele discordou da proposta sugerida pelo Ministério Público Federal de tornar hediondos crimes de corrupção que envolvam desvios superiores a R$ 8 milhões. "Não concordo que seja mais grave que assassinato", disse em referência à posição de procuradores.

"O Ministério Público é extremamente inteligente e competente e torna o sistema judicial menos formalista. Mas eu temo que alguns procuradores estejam em uma cruzada contra a corrução, se puseram do outro lado e agem com muito afã de punição. Fazem uma oposição totalitária fascista, e o clima emocional no Brasil está muito propício a esse modo perigoso de lidar", afirmou.

Em resposta ao questionamento de uma aluna, ele citou o "Mani pulite", a Operação Mãos Limpas, que investigou esquemas de corrupção na Itália, nos anos 1990. "Deixou o país completamente desmantelado, causou o colapso dos dois principais partidos e o que veio depois? [O ex-premiê Silvio] Berlusconi."

Resende argumentou que é "perigoso" o espírito punitivista levando em conta indícios "extremamente sérios" de que a corrupção esteja também institucionalizada, além da Petrobras, no BNDES, Ministério da Saúde, Caixa Econômica Federal e Eletrobras.

Para Resende, impeachments são "sempre traumáticos" e o da presidente Dilma Rousseff deveria ser evitado –do ponto de vista econômico, ele fez a ressalva, seria positivo, porque "teríamos, enfim, um governo".

O economista considerou que a raiz do "jeitinho" brasileiro não é de todo má. "Não?", o professor Albert Fishlow, especialista em economia brasileira, espantou-se. "Tem um lado positivo. Por isso o Brasil nunca teve guerra civil. A tradição brasileira, portuguesa, africana é diferente da espanhola. Argentina e México continuam lutando por algo que aconteceu 200 anos atrás. Tudo tem um lado bom e um lado ruim", argumentou Resende.

"O meu ponto é [que precisamos evitar] a tentação de lutar contra a corrupção e a falta de capital cívico com autoritarismo", resumiu. "É preciso ter a combinação de um sistema judicial que funcione com menos recursos com um pacto de que agora todos seremos duros. Precisamos criar um senso de comunidade."

O professor convidado citou os "seis meses em que deu certo" o Plano Cruzado, de cuja elaboração ele também participou. "Todo mundo se tornou mais civilizado, as pessoas se ofereciam ajuda na rua", observou para sorriso da plateia. "Se você está deprimido, você tem maior tendência a ser desonesto. Se está feliz, se sentindo bem, sua tendência a ser desonesto é menor. A crise faz as coisas ficarem ainda piores."


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