Folha de S. Paulo


Para presidente de fundação ligada ao PT, elite resiste à ascensão dos pobres

"Houve uma politização das políticas públicas que [gerou] um mal entendimento entre diversidade e desigualdade". A opinião é do economista Marcio Pochmann, 53, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.

Para ele, a crise que o país atravessa pode ser atribuída a uma resistência imposta pelas elites, em particular a paulista, à ascensão social ocorrida nos últimos anos.

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 04.09.2014. às 10H.Representantes da área econômica dos três principais candidatos à Presidência participam às 10h de seminário na Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil. O tema é a estratégia em relação ao banco estatal. Márcio Pochmann fala para a plateia. (Alan Marques/ Folhapress) PODER
Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, "think tank" ligado ao PT

"A riqueza do Brasil é sua diversidade. A pobreza, sua desigualdade. Parte do ódio se deve à percepção de que não é somente uma ascensão econômica da doméstica ou dos trabalhadores serviçais, mas uma ascensão de cor", afirma.

Em entrevista à Folha uma semana após o lançamento de um documento com propostas da esquerda para o futuro do Brasil, o economista também avaliou a conexão entre a crise atual e o desempenho eleitoral dos partidos de esquerda.

"Não estamos autorizados a dizer que significará o refluxo da esquerda em 2016", afirmou.

Para justificar sua opinião, o ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) retoma o episódio do apagão de 2001, no fim do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso: "A má sorte [de FHC] foi o descuido com a questão hídrica; se não tivesse ocorrido a crise, não sei se Lula teria sido eleito."

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A situação política e a recessão devem levar a esquerda à derrota nas próximas eleições?
O PT já vem perdendo importância relativa no que diz respeito ao número de parlamentares. Não sei se seguirá a trajetória de outros partidos. Já viveu um tempo de esvaziamento nos anos 1980 e se reinventou. Hoje a crise tem proporções muito maiores, mas não é só do PT, mas do sistema partidário.

FHC foi reeleito em 1998 e imediatamente mudou o discurso. [O ano de] 1999 foi ruim, a inflação subiu e houve pressão para o impeachment. Mas em 2000, a economia cresceu 4,5%. A má sorte foi o descuido com a questão hídrica em 2001. Na história não existe "se". Mas se não tivesse ocorrido o apagão, não sei se Lula teria sido eleito.

Estudo do Ipea mostrou que o governo poderia arrecadar R$ 43 bilhões ao ano se taxasse em 15% lucros e dividendos, e que os mais ricos pagam só 6% de imposto. Por que o PT não fez uma reforma tributária?
É a dificuldade de se fazer mudança no Brasil. O PT poderia ter adotado uma atitude como o PTB adotou nos anos 1960 em relação às reformas de base. O esforço que o PT vem fazendo é o de não levar ao limite. Dilma está fazendo um esforço enorme para manter [em sua base] o PMDB, que é o PSD dos anos 1960, o centro da política.

Qual é a coalizão que a esquerda deve buscar agora?
De 1870 aos anos 2000, São Paulo conduziu o Brasil. Em 1930, impediu que se tivesse reformas, como a agrária. Aceita a indústria, desde que fique em São Paulo. Mas a partir de 1930 e até os anos 1990, tinha o poder econômico, mas não o político.

Com a abertura comercial e com o que aconteceu nos anos 1980, houve uma desindustrialização no país. São Paulo é o Estado que mais sofreu. O dinamismo está no financeiro e o no agronegócio, que não se conectam com o país, mas com o mercado internacional.

A elite resiste a uma inclusão maior?
Há um impasse. Há um mal entendimento entre diversidade e desigualdade. A riqueza do Brasil é sua diversidade. A pobreza, sua desigualdade. Houve uma politização das políticas públicas que misturou diversidade com desigualdade. Parte do ódio se deve à percepção de que não é somente uma ascensão econômica da doméstica ou dos trabalhadores serviçais. É também é uma ascensão de cor.

Como se resolve esse impasse?
O Brasil se posicionou bem em grandes crises do capitalismo. Na de 1873 a 1896, fizemos reforma política, o trabalho escravo se tornou ilegal, a república virou regime de governo, uma Constituição nova, a emergência da economia cafeeira. Getúlio [Vargas] juntou os derrotados da República Velha, parte da classe média, trabalhadores e fez um acordo de 50 anos.

A solução para 1981-83 desorganizou a maioria política do projeto desenvolvimentista. De lá para cá, são muito pontuais, não dão estabilidade. Tivemos períodos em que o Brasil cresceu com democracia e distribuição de renda –os anos 2000. O que está acontecendo em 2015 é um ponto de inflexão ou vamos seguir? Está em aberto essa questão.


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