Folha de S. Paulo


Delator lucrou mais que o sêxtuplo de multa em negócios com a Petrobras

O delator Julio Camargo recebeu ao menos R$ 266 milhões em valores nominais nos negócios que intermediou na Petrobras, montante muito superior à multa definida pela força-tarefa da Lava Jato em seu acordo de colaboração, R$ 40 milhões.

A soma leva em conta comissões admitidas por Camargo em seus depoimentos. O valor total recebido por ele, no entanto, é superior –há três casos em que o lobista admitiu ter recebido comissões, mas não revelou quanto.

A diferença entre os ganhos e a multa pode ser explicada por um dos critérios usados pela força tarefa ao fazer acordo de delação: o potencial que o delator tem de ajudar a recuperar ativos ao revelar detalhes e pessoas do esquema.

Oficialmente, procuradores não confirmam que esse foi o caso. Em nota, o Ministério Público diz que "o estabelecimento dos valores [das multas] faz parte de um processo de negociação referente a cada caso" e que não comenta cada negociação.

O criminalista Antonio Figueiredo Basto, que assumiu a defesa de Camargo após a saída de Beatriz Catta Preta, afirma que os ganhos com comissões são, em parte, legítimos. "Nem tudo o que ele fez na Petrobras é ilegal", diz. "O Julio já foi punido demais, e a multa é desproporcional."

Comissões Julio Camargo

OUTROS CASOS

No caso do engenheiro e delator Shinko Nakandakari, que intermediou negócios da Galvão Engenharia, a multa definida foi de R$ 1,3 milhão, uma das menores até agora.

Diferentemente do ocorrido com Camargo, o patrimônio de Nakandakari foi determinante na multa dele. No início, a Procuradoria pediu R$ 5 milhões –valor que o órgão estima que ele tenha lucrado, segundo a Folha apurou.

Nas negociações, ao concluir que o patrimônio de Nakandakari não estava à altura da multa pedida, a força-tarefa capitulou e aceitou o valor sugerido pela defesa.

Outro delator, o ex-executivo da Camargo Corrêa Dalton Avancini, teve a multa definida com base apenas em seu patrimônio. O papel dele era diferente do desempenhado por Camargo e Nakandakari, já que representava uma das empresas envolvidas nos desvios, em vez de intermediar negócios. Com isso, ele não era beneficiado por comissões ou propina.

"A definição da multa, de R$ 2,5 milhões, foi baseada no patrimônio de Dalton, que não foi acrescido por nenhuma vantagem", diz o defensor dele, Pierpaolo Cruz Bottini. "O valor foi cerca de 40% de seu patrimônio."

Apesar de ter virado praxe, a multa aos delatores não é obrigação definida em lei. "Se é notório que na Lava Jato os valores envolvidos são altos, nada impede que, em qualquer outro caso, se celebre um acordo sem o envolvimento de valores", explica o criminalista Rogério Taffarello, defensor de Nakandakari.


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