Folha de S. Paulo


Dirceu é denunciado por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro

Quase três anos depois de ser condenado no mensalão, o ex-ministro José Dirceu foi denunciado criminalmente mais uma vez nesta sexta-feira (4) pela força-tarefa da Operação Lava Jato, sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

É a primeira acusação formal da Lava Jato contra um antigo integrante do Executivo federal.

A denúncia não quer dizer que o petista, que está preso há um mês, é culpado. A Justiça agora irá decidir se a acata ou não. Se acatar, o processo é aberto, e Dirceu vira réu.

"É a pessoa número 2 do nosso país envolvida num esquema de corrupção", afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol. "A Lava Jato revela um governo para fins particulares, com um capitalismo de compadrio, em que o empresário e o agente público buscam benefícios para o próprio bolso."

Além dele, também foram denunciados seu irmão, Luiz Eduardo, sua filha Camila Ramos, seu ex-assessor Roberto Marques, o ex-sócio do ministro Julio César dos Santos, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, entre outros. Foram 17 denunciados no total.

Dirceu é acusado de receber propina da Petrobras, vinda de contratos de terceirização da estatal ou, ainda, de contratos de consultoria que sua empresa fechava com empreiteiras contratadas pela estatal. Executivos da empreiteira Engevix, neste caso, também estão entre os denunciados.

Voos fretados, reformas de apartamentos e contratos fictícios de consultoria teriam sido pagos ao ex-ministro com dinheiro da Petrobras.

Segundo as investigações, o esquema teria movimentado R$ 60 milhões em propina, sendo que Dirceu e seus familiares foram beneficiários de R$ 11,8 milhões.

"Não está em questão quem José Dirceu foi ao longo da história, ou o que ele fez pela consolidação da democracia no nosso país. Não julgamos pessoas, mas fatos concretos", disse o procurador Dallagnol. "As provas nos dizem que ele praticou crimes graves e deve ser responsabilizado como qualquer pessoa."

Dirceu nega participação no esquema e diz que os pagamentos que recebeu de empreiteiras foram feitos por serviços de consultoria. Seu advogado, Roberto Podval, já classificou sua prisão como "política" e "sem justificativa jurídica".

CUSTO POLÍTICO

Segundo a acusação, o ex-ministro da Casa Civil foi responsável pela indicação de Renato Duque à diretoria de Serviços da Petrobras e, por isso, recebia vantagens indevidas da estatal. "O apoio teve seu custo", disse o procurador Roberson Pozzobon.

Os pagamentos ocorreram ao longo de dez anos, entre 2004 e 2014 –inclusive depois, portanto, que Dirceu foi condenado e preso pelo envolvimento no mensalão. No caso desses pagamentos, o petista pode ser considerado réu reincidente, o que deve aumentar sua punição caso ele seja julgado culpado.

As operações eram feitas por um "banco criminoso" de Milton e José Adolfo Pascowitch, irmãos e operadores do esquema, que fizeram acordo de delação premiada. Os dois recebiam recursos desviados de diversos contratos da Petrobras –nesse caso, obras da empreiteira Engevix e contratos de terceirização da estatal com as empresas Hope, Personal e Consist.

As propinas, que atingiam de 1% a 2,28% do valor dos contratos, eram repassadas tanto a funcionários da Petrobras (nesse caso, Duque e seu subordinado Pedro Barusco) quanto ao núcleo político que dava sustentação ao esquema –ou seja, familiares e pessoas ligadas a Dirceu, inclusive o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

A soma das penas pode chegar a 51 anos de prisão, para os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

No caso de Dirceu, a expectativa do Ministério Público Federal é que a pena seja de no mínimo 30 anos. "Uma pessoa que pratica crimes tão graves deve receber pena superior a 30 anos", diz Dallagnol.

Outros fatos ainda serão alvo de novas denúncias, segundo os investigadores. Os proprietários das empresas que tinham contratos de terceirização com a Petrobras, por exemplo, ainda não foram denunciados, embora já tenham sido investigados.

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OS DENUNCIADOS

  • José Dirceu de Oliveira e Silva ex-ministro da Casa Civil
  • Luiz Eduardo de Oliveira e Silva irmão de Dirceu
  • Camila Ramos de Oliveira e Silva filha de Dirceu
  • Roberto Marques ex-assessor de Dirceu
  • Julio César dos Santos sócio de Dirceu na JD Consultoria
  • Daniela Facchini arquiteta que reformou casa do ex-ministro
  • João Vaccari Neto ex-tesoureiro do PT
  • Renato Duque ex-diretor da Petrobras
  • Pedro Barusco ex-gerente da Petrobras
  • Fernando Moura lobista ligado ao PT
  • Olavo de Moura Filho irmão de Fernando Moura
  • Gerson Almada executivo da Engevix
  • Cristiano Kok executivo da Engevix
  • José Antunes Sobrinho executivo da Engevix
  • Júlio Camargo empresário
  • Milton Pascowitch operador
  • José Adolfo Pascowitch irmão de Milton

OUTRO LADO

O advogado de José Dirceu, Roberto Podval, disse que só irá se manifestar depois que seu cliente for intimado. "A questão precisa ser tratada de forma técnica", disse à Folha.

O advogado de João Vaccari Neto, Luiz Flávio Borges D'Urso, informou que ainda não tem conhecimento da denúncia.

Antonio Augusto Figueiredo Basto, que defende Pedro Barusco e Julio Camargo, disse que não comentaria a denúncia porque não conhece o teor das acusações.

A defesa de Fernando e Olavo Moura, a cargo de Pedro Iokoi, também não quis comentar a denúncia por não ter tido acesso à peça.

O advogado de Roberto Marques, Maurício Vasques, não quis fazer comentário.

A defesa dos sócios da Engevix Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho não quis emitir comentários sobre o teor da denúncia. O advogado dos dois, Carlos Kauffmann, disse apenas que a empresa está colaborando com as autoridades.

O advogado dos irmãos Milton e José Adolfo Pascowitch, Theo Dias Neto, também não quis comentar a acusação.

A Folha não conseguiu localizar os defensores de Luiz Eduardo Oliveira e Silva, Camila Ramos de Oliveira e Silva, Julio César dos Santos, Gerson Almada, Daniela Facchini e Renato Duque.


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