Folha de S. Paulo


análise

Manifestações carecem de representatividade social e demográfica

A contagem de participantes nas manifestações que ocorreram no país na última semana é importante para o registro histórico, mas a polêmica e o debate passional sobre os números remete a segundo plano dados valiosos para a compreensão do fenômeno. A observação do grau de representatividade social dos que saem às ruas se faz essencial em ambiente de estresse político cujo principal gatilho é justamente a crise de representação.

E não se trata apenas em limitar a análise ao mais evidente dos contrastes —o do conflito de classes— até porque em amostras representativas do total da população, o Datafolha já mostrou que a frustração de eleitores petistas somada à rejeição dos antipetistas tem gerado uma homogeneização negativa e inédita da opinião pública.

Mais do que perceber as diferenças marcantes entre os perfis dos manifestantes pró e contra o impeachment (mais branco e elitizado no primeiro caso e mais próximo às médias da população no segundo), jogar luz sobre o que há de semelhante entre os dois eventos revela quais são os estratos com maior poder de mobilização e quais ficam à margem desse tipo de participação política.

Nas pesquisas realizadas pelo Datafolha nas últimas manifestações de São Paulo, a maioria dos entrevistados tinha nível superior de escolaridade (76% entre os da Paulista e 52% no Largo da Batata). Na população paulistana, essa taxa corresponde a 28%. Nos dois eventos, a presença de homens era maior do que a média em mais de dez pontos percentuais.

A presença acima da média de empresários na Paulista e de funcionários públicos no Largo da Batata elevou em nove pontos percentuais a taxa de população economicamente ativa em ambos os eventos. Sub-representados em participação estão as mulheres, os menos escolarizados e principalmente os jovens —estratos vulneráveis em cenário econômico desfavorável.

Os jovens são os que mais refletem o temor do momento. Tanto nos últimos dados de desemprego do IBGE quanto na evolução da população economicamente ativa feita pelo Datafolha, nota-se queda significativa do trabalho formal nesse segmento.

A baixa adesão dos jovens nas últimas manifestações —pouco mais de 10% dos presentes— deixa ainda mais explícita sua ruptura com as instituições tradicionais de participação política. Predominantes nas jornadas de junho de 2013, os jovens parecem hoje receber uma espécie de castigo pela crise de representação que na ocasião acabaram por escancarar.

CHACINA

Como sentir-se representado na ausência de debate sobre a diminuição da maioridade penal, nos ajustes que lhes devolve insegurança no emprego e pessimismo quanto ao futuro? Como se enxergar no flerte de parte dos manifestantes com o militarismo e a polícia, contra a qual protestou há dois anos?

Considerando-se o futuro nebuloso que se desenha e a escassez de canais de participação que os motive, a identificação mais fácil é com os corpos da chacina de Osasco.


Endereço da página: