Folha de S. Paulo


Análise

Atos contra o governo têm boas e más notícias para todos

A nova rodada de protestos de ruas contra Dilma Rousseff trouxe boas e más notícias para todos os envolvidos na complexa dança da crise política e econômica que engolfou o país desde a reeleição da presidente em outubro de 2014. É questão de ponto de vista avaliar os prós e contras deste domingo (16). Ao atores, pois:

GOVERNO

Sob a ótica palaciana, a boa notícia é que os protestos foram grandes, mas não gigantescos a ponto de deixar o Planalto de cabelo mais em pé do que já está. Há protestos espraiados por todo o país, com destaque a algumas cidades do Nordeste (região que paulatinamente abandona o PT), mas o grosso da manifestação está no esperado eixo São Paulo-Rio-Brasília.

Há a percepção de que o protesto virou um programa de domingo, seja de ricos ou de pobres. Isso parece natural para um governo com avaliação positiva de apenas 8%, segundo o mais recente Datafolha. Um evento dominical e sazonal, que transforma a pressão sobre o Planalto em algo que vem das ruas apenas de forma periódica -nada de "vigílias cívicas" ou a constância dos meses finais de Collor na Presidência em 1992.

O lado negativo para o governo é justamente a existência do movimento e sua perenidade, além de uma maior capilaridade. Nada garante que uma nova revelação advinda da Operação Lava Jato contra o governo, ou algo semelhante, não catalise essa energia para algo ainda maior.

Neste caso, seria o pior dos mundos para o Planalto, porque Dilma, Lula e o PT são o foco exclusivo dos protestos agora. O governo já lida com uma montanha de problemas; há uma semana, o que se discutia em Brasília era como seria um governo Michel Temer, o vice peemedebista de Dilma.

OPOSIÇÃO

A oposição enfim conseguiu colocar um pezinho no barco dos protestos. O grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que por ter sido o homem que quase derrotou Dilma em outubro deveria teoricamente estar à frente de mobilizações como estas, enfim desceu do muro e colocou sua cara -na figura do próprio ex-presidenciável tucano.

Foi algo calculado, já que o próprio senador temia o efeito da exposição. Em eventos passados houve rejeição a políticos em carros de som e palanques. Neste domingo, em seu elemento mineiro, Aécio conseguiu aparecer sem sofrer apupos, assim como outros políticos sem tanto alarde.

Por outro lado, essa vitória discreta não muda o fato de que a oposição segue a reboque das ruas e sem saber exatamente como lidar com o estoque de dinamismo antigoverno à disposição.

Isso tem a ver com a falta de um discurso claro e a contaminação do humor da rua pelo "espírito de junho", que desde as manifestações daquele mês de 2013 aponta para um descontentamento generalizado e de caráter apartidário.

Não por acaso, a novidade nas ruas foi o apoio ao trabalho do juiz Sergio Moro, condutor da Lava Jato, e não o de algum político de oposição.

AS RUAS

Como dito acima, o protesto parece cristalizar-se no cenário urbano à exemplo das mil e uma "manifs" que os parisienses encaram toda semana.

É o caso de acompanhar a ascensão, ou não, da figura do juiz Moro como novo portador da vontade popular. Isso foi tentado com Joaquim Barbosa por atores políticos interessados em tornar o ministro do Supremo que relatava o mensalão com dureza em candidato a algo.

Não deu certo, até porque Barbosa é um inconformista e porque o momento de crise era muito diferente. Hoje temos um governo à espera de um motivo claro para cair, nada semelhante ao que Lula e Dilma enfrentaram durante o processo do mensalão.

Atos esporádicos e que dependem de mobilização na internet parecem condenados ao mesmo escaninho da análise dos "curtir" do Facebook: aglutinadores de pessoas que pensam parecido e que falam uns para os outros a mesma "verdade".

Galerias de fotos serão preenchidas com gente orgulhosa de ter ido para a rua, mas cujo poder de sedução por ora não parece ultrapassar a sua "timeline".

Nada diferente, à primeira vista, de tantos "eventos" virtuais que reúnem algumas dezenas de hipsters e esquerdistas afins sob alguma causa bonitinha.

Só que com uma diferença fundamental: trata-se de um potencial de mobilização que ultrapassa o sindicalismo pago para estar nas ruas no dia 20 em favor do PT. Qualquer estopim parece ter o poder de ampliar seu escopo.


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