Folha de S. Paulo


Sociedade não pode ficar imobilizada por incerteza, diz ministra do STF

Pedro Ladeira - 4.mai.2015/Folhapress
A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF, em Brasília
A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF, em Brasília

A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), alerta para o risco de o país chegar às eleições do ano que vem no atual clima de instabilidade política.

"Em um ano, estaremos com outra campanha eleitoral nas ruas. Se chegarmos nesse ambiente de incertezas, não sei como será a campanha de 2016. Essa fase de crise, de não se saber para onde ir, precisa ser superada." Para ela, a campanha presidencial tem mais visibilidade, mas a municipal é mais violenta. "Instituições podem chegar a consensos que se imponham para o cumprimento dos agentes que são isso mesmo, agentes, não donos do poder. A sociedade não pode ficar imobilizada por incerteza e medo do que pode acontecer", diz a ministra que assumirá a presidência do Supremo em um ano.

A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.

*

Folha - O mensalão criou uma expectativa positiva em relação ao Supremo...
Cármen Lúcia - Acho que existe para esses grandes casos. Com quase 100 milhões de processos [para serem julgados], D. Maria, lá do interior, também espera a resposta dela.

Há excesso de recursos?
Vejo a tendência de que a presteza dê à sociedade a certeza de que quem estiver correto, será absolvido em prazo curto, e o condenado, idem. Por outro lado, o processo tem sua fase de amadurecimento que não é bem percebida pelo cidadão. 'Já votou uma vez, por que votar de novo? Tenho de garantir o direito à defesa, mas com celeridade. Isso vale para casos rumorosos e para o traficante que recorre, sai, recorre e volta para a comunidade. Em um júri a respeito de um réu que matou sua mulher há 14 anos, o filho de oito anos que viu o crime já tem 22 anos. Será uma aplicação da lei, não justiça.

As pessoas estão insatisfeitas com a economia, e nós vamos ter de passar por essa fase. Para o cidadão comum, o que está sendo retirado pelo ajuste, deve-se à má política ou ao dinheiro que vazou pela corrupção. Ele se sente agredido, cansado. "Já briguei contra a ditadura, elegemos um presidente que foi afastado, aí chegamos aqui."

Se não ocorrer um acidente de percurso, em um ano, o país terá mulheres nas cúpulas dos poderes executivo e judiciário. Como avalia a mulher que está do outro lado da rua em Brasília?
Ainda está longe. Houve caso de presidente que ficou apenas um dia no Supremo... Mulheres têm visões diferentes e complementares... Até as penitenciárias femininas são mais arrumadas. Que ninguém se engane, não é por estar no Supremo, que não sofro preconceito. Já ouvi que juízas são mais rigorosas em penal. Temos a mão que afaga e que educa.

Como vê a reforma do estatuto da magistratura?
Do jeito que está, não passa. Privilégios são incompatíveis com a República. O presidente [Ricardo] Lewandowski apenas acolheu sugestões para que fossem estudadas.

A sra. é a favor da proposta de Lewandowski de aumento de salário no Judiciário?
Penso que não é hora de aumento. Se todos têm de fazer um sacrifício, nós também temos. Acho que ele cogitou a recomposição de valores que outros servidores tiveram.

O juiz é privilegiado?
O Diário Oficial teria de publicar todos os contracheques. Todo cidadão deveria ter o direito de saber quanto ganha o juiz, o procurador, o promotor. Eu não sei. A lei da transparência ainda não foi devidamente valorizada.

E a crise?
É preciso saber para onde estamos indo, chegar a um consenso mínimo. Estamos a um ano de ter outra eleição. A campanha eleitoral presidencial dá muita visibilidade por causa das políticas públicas nacionais, mas não se morre por causa de presidente. Mata-se e morre-se por causa do vizinho candidato a vereador. Cidade pequena não tem partidos, tem lados.

Prevê mais acirramento?
Se chegarmos nesse ambiente de incertezas, não sei como vai ser a campanha do ano que vem. Mas essa fase de crise, de não saber para onde ir, precisa ser superada. Acho que o brasileiro precisa primeiro saber que ele tem de dizer o que quer. Não é com placas "abaixo tudo" porque com elas, o que vem no lugar? Precisamos sair disso.

A sra. defende uma saída...?
Uma saída institucional.

Com a saída da presidente?
Não, não estou falando de governantes, e sim dos cidadãos. A sociedade precisa se organizar, estabelecer qual o consenso que se pode extrair. Instituições têm voz pela imprensa livre e podem chegar a consensos que se imponham para o cumprimento dos agentes que são isso mesmo, agentes, não donos do poder. A sociedade não pode ficar imobilizada por incerteza e medo do que pode acontecer. Uma sociedade não continua nesse desassossego muito tempo. O essencial é que ninguém imagine que se possa fazer à revelia da Constituição. Ela não é sugestão, é lei, para ser cumprida.

Nenhuma ruptura institucional será admitida, de jeito nenhum. Não há crise constitucional, há crise de confiabilidade em pessoas, mas qualquer afastamento –não estou dizendo da presidente–, mas de qualquer pessoa, não pode ser feito sem acatamento das leis. Agora, todos que exercemos cargos públicos, estabeleçamos de forma clara qual é o nosso papel. Não adianta imaginar que pode continuar por muito tempo como está. A economia precisa de soluções, precisa talvez esclarecer melhor o povo. Explique, todo mundo entende. Haverá quem não goste, mas não quem não entenda. É um momento difícil, como já teve outros. Nós, servidores públicos, temos de dar satisfação.

Houve excesso na Lava Jato?
Não acho que tenha havido excesso, não. Para isso, todo réu tem direito a seus advogados. Excessos os advogados levantam e são ouvidos. Se tiverem ocorrido, são cortados na instância superior. Mesmo no Supremo, no julgamento da ação penal 470 [do mensalão], nem quando não estava previsto se negou o direito de advogados de subirem à tribuna e falarem. Quando chegam habeas corpus, alegação de excessos, prestamos atenção. Nos que chegaram, não se apurou excesso.


Endereço da página: