Folha de S. Paulo


Dono da UTC cogitou acordo antes de ser preso, mas não queria acusar

Dias antes de ser preso pela Operação Lava Jato, em novembro do ano passado, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, discutiu com interlocutores a possibilidade de um acordo entre as empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, mas afirmou que só toparia se não tivesse que acusar ninguém.

A Folha teve acesso a diálogos interceptados pela Polícia Federal que mostram que advogados da UTC discutiram com outras empresas a viabilidade de um acordo com as autoridades, em que todas as empresas pagariam multas, mas ninguém seria responsabilizado individualmente.

A ideia não foi levada adiante, entre outras razões, porque dias depois executivos de oito empreiteiras foram presos pela PF, entre eles Ricardo Pessoa, apontado como um dos líderes do grupo.

Editoria de Arte/Folhapress

O ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, que morreu no final do ano passado, era o principal patrocinador da tentativa de acordo. Consultor da Odebrecht e da Camargo Corrêa, Thomaz Bastos atuava como interlocutor das outras empresas.

O advogado Alberto Toron, que representava a UTC na época, confirmou que foi a Curitiba para discutir com o Ministério Público Federal a possibilidade de um acordo, mas que não obteve êxito.

Pessoa saiu da cadeia em abril deste ano, libertado por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal). Em junho, ele fechou acordo de delação premiada e passou a colaborar com as investigações, implicando ministros e políticos.

'BABOSEIRA'

O empreiteiro nunca acreditou em saída indolor para o caso, mas nunca impediu as tratativas dos advogados. No momento, a UTC negocia um acordo administrativo com o governo federal para não ser declarada inidônea e poder continuar fazendo negócios com o setor público.

Em conversa com Renato Tai, funcionário do setor jurídico da UTC, em 12 de novembro de 2014 –dois dias antes de ser preso–, Pessoa disse que tinha "restrições" a um acordo entre as empreiteiras e chegou a chamá-lo de "baboseira". "Esse acordo aí não resolve porra nenhuma, viu? Não é assim não. Não acorde nada", recomendou.

"Só consigo fazer alguma coisa nesse sentido se eu não tiver que acusar nada", ressaltou. Renato respondeu que as outras empresas concordavam com ele: "Nesse ponto não tem ninguém pensando de forma diferente, não".

Depois de uma reunião dos advogados das empresas, Pessoa e Renato voltaram a se falar. "E Toron vai pra onde, Curitiba? Fazer [o quê], meu Deus?", questionou Pessoa. Renato disse que a intenção era ir "mais para ouvir do que falar" e "saber se os caras têm interesse em conversar".

Meses depois desses diálogos, o empreiteiro abandonou sua disposição inicial de "não acusar nada" ao fazer o acordo de delação premiada e citar entre os supostos beneficiários do esquema dois ministros da presidente Dilma Rousseff, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva.


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