Folha de S. Paulo


Governo admite falha na articulação política e vetará reajuste do Judiciário

Um dia depois da derrota no Senado com a aprovação do reajuste salarial dos servidores do Poder Judiciário, o governo Dilma reconheceu nesta quarta-feira (1º) "cochilos" na articulação política, deixou claro que vetará a proposta para acalmar os mercados e se convenceu de que não pode contar com o apoio do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).

A aprovação do projeto, com impacto extra de R$ 25,7 bilhões em quatro anos aos cofres públicos, ocorreu na terça (30), mesmo dia em que o ex-presidente Lula tomou café da manhã com Renan para tentar diluir a crise política enfrentada pelo Planalto.

Dilma viajava de Washington para San Francisco (EUA) na terça-feira à noite quando foi informada da aprovação do reajuste, de 59,5% em média.

Editoria de Arte/Folhapress

Logo na manhã desta quarta, a presidente e seu ministro Nelson Barbosa (Planejamento) decidiram deixar claro que o projeto seria vetado porque ele é "insustentável".

De San Francisco (EUA), Nelson Barbosa disse à Folha, por telefone, que o aumento é "incompatível com a atual situação econômica do Brasil, é insustentável do ponto de vista fiscal e injusto do ponto de vista social".

Por isto, disse, "não resta alternativa ao governo a não ser vetar e continuar tentando construir uma solução".

FOGO EM ROMA

Na avaliação de assessores presidenciais, o comportamento do peeemedebista, que chegou a dizer antes da votação que poderia adiá-la, mas acabou mudando de ideia, é mais um capítulo de sua "vingança" por ter sido incluído na lista de investigados da Operação Lava Jato.

Renan acredita que o governo nada fez para que seu nome não constasse entre os alvos da investigação. Nas palavras de um auxiliar de Dilma, ele "botou fogo em Roma" com o objetivo de deixar a presidente com o desgaste de barrar o aumento.

"Havia um compromisso: se não houvesse a evolução da negociação, nós tínhamos que votar", afirmou Calheiros. "A presidente pode fazer o veto, se ela entender que é necessário, e esse veto depois será apreciado [pelos parlamentares]", disse.

Aliados de Renan atribuem à desarticulação política a lavada de 62 votos a 0 a favor do reajuste. Lembram que o projeto está em discussão há mais de dez anos.

"Cadê o Mercadante?", ironizavam peemedebistas. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse a aliados que a articulação política não é de responsabilidade de sua pasta e que o vice-presidente Michel Temer é quem tem tratado das votações.

O Planalto reconheceu "cochilo" e uma "total falta de coordenação". Nos bastidores, assessores também reclamavam da atuação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, que enviou ofício ao Senado para falar sobre a negociação de uma proposta alternativa, mas não fez um pedido enfático de adiamento da votação.

Além do reajuste do Judiciário, o Senado pode votar mais um aumento para o funcionalismo, dos servidores do Ministério Público, também em uma média de 59,4%.

A equipe econômica já ofereceu aos servidores do Executivo civil um reajuste de 21,3% dividido em quatro anos, a partir de 2016. O governo quer fazer dessa proposta parâmetro para a negociação com o Judiciário. Os servidores do Judiciário tiveram vários aumentos entre 2006 e 2008 e novos reajustes de 2013 para cá. Os cálculos do Planejamento indicam que o aumento acumulado no período foi maior do que a inflação.

O gasto total do Judiciário com pessoal (ativo e inativo) em 2014 foi de R$ 31,2 bilhões, segundo o Ministério do Planejamento.


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