Folha de S. Paulo


Governo vetará aumento do Judiciário por afetar ajuste e 'justiça social'

De San Francisco, onde integra comitiva da presidente Dilma Rousseff em viagem oficial aos Estados Unidos, o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) disse à Folha considerar o aumento do Judiciário aprovado nesta terça-feira (30) pelo Congresso incompatível com o ajuste fiscal e injusto socialmente e que, por isso, "não resta outra alternativa ao governo a não ser vetar" o projeto.

O Senado aprovou projeto que dá aos servidores do Judiciário um reajuste médio de 59,5% nos próximos quatro anos, elevando os gastos públicos em R$ 25,7 bilhões. Até o início da tarde desta terça, havia um acordo para adiar a votação do projeto em troca de uma negociação de proposta alternativa, o que acabou não sendo cumprido.

Nelson Barbosa afirmou que o aumento é "incompatível com a atual situação econômica do Brasil, é insustentável do ponto de vista fiscal e injusto do ponto de vista social".

Por isso, avisou, momentos antes de se juntar à comitiva brasileira para uma visita à Google, que "não resta alternativa ao governo a não ser vetar isto e continuar tentando construir uma solução".

Segundo ele, no momento em que a "sociedade brasileira está passando por ajustes, em que várias empresas estão passando por dificuldades e o desemprego sobe, não é razoável propor um aumento entre 55% a 78% para os servidores do Judiciário".

Ele alertou ainda que, por enquanto, os problemas fiscais do Brasil "são administráveis", sinalizando que, se o Congresso continuar aprovando aumento de despesas e reduzindo receitas do governo, a situação pode ficar mais complicada neste ano.

Nelson Barbosa lembrou que o projeto de lei aprovado pelo Senado nesta terça foi enviado ao Congresso pelo ex-presidente do STF Joaquim Barbosa –que deixou o cargo em julho de 2014.

"É um projeto que reflete uma realidade diferente da que temos hoje no Brasil", disse.

De acordo com o ministro, as propostas de reajuste negociadas pelo governo para os servidores do Executivo e do Judiciário têm de ser enviadas ao Congresso até a metade de agosto.

"Propusemos ao Congresso que adiasse essa votação até que nós pudéssemos elaborar uma proposta de consenso, que fosse responsável do ponto de vista fiscal e também do social, que preservasse o poder de compra dos servidores. Continuamos nessa tarefa."

O ministro afirmou que, no seu retorno ao Brasil, vai retomar as negociações com o Poder Judiciário e com o Congresso e que será possível chegar a uma proposta de consenso que não prejudique as contas públicas brasileiras.

"Este é um problema que não é só do governo federal, é de todos. Se as contas fiscais ficarem prejudicadas, a inflação vai subir, o poder aquisitivo da população vai ser afetado", disse Nelson Barbosa.

A presidente Dilma Rousseff, em viagem aos Estados Unidos,classificou como "lamentável" a aprovação do reajuste.

"Não chamaria estas ações [do Senado] de desafios porque fazem parte da democracia. Achamos lamentável porque é insustentável um país como o nosso, em qualquer circunstância, dar níveis de aumento tão elevados", disse a presidente a jornalistas durante sua visita à sede do Google, no Vale do Silício, na Califórnia.

"No mesmo dia, uma lei que era cara para nós, a questão da redução da maioria penal, não houve vitória [da oposição]. Então, o Congresso, como a democracia, é assim, tem dia que você ganha e dia que você perde."

A presidente não quis comentar se irá vetar a aprovação do Senado. "De fato, compromete o ajuste fiscal. [Mas] não discuto veto antes da hora. Tenho que respeitar o procedimento legislativo."

"Eu tenho que agradecer o Congresso, uma parte expressiva do ajuste fiscal foi aprovado, então eu acho que tem horas que vocês [imprensa] criam um clima que não existe. A gente perde e a gente ganha", disse.

Dilma volta nesta quarta ao Brasil. Ela comentou que a volta será difícil, mas só por causa das 11 horas de voo. "O clima politico faz parte da realidade brasileira, eu gosto do Brasil e o clima político só me faz ficar mais atenta e me dedicar mais a resolver os problemas que necessariamente existem entre um governo e o Executivo e o Congresso", disse.

Ao ser questionada sobre as recentes críticas do ex-presidente Lula, Dilma afirmou que não responderia. "O presidente Lula tem todo o direito de fazer críticas a quem ele quiser, e especialmente a mim", disse.

Ela também não quis comentar a pesquisa CNI-Ibope que a coloca com a pior aprovação entre todos os presidentes após a ditadura militar nem as acusações do delator na Operação Lava Jato Milton Pascowitch envolvendo José Dirceu.

'COCHILO'

O Palácio do Planalto reconheceu "cochilo" e "erros conjuntos" na articulação política do governo sobre o tema. Um dia após a votação, auxiliares da presidente Dilma Rousseff falavam em "total falta de coordenação" e reclamavam que os senadores da base aliada não cumpriram o que foi combinado com o vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, de negociar uma alternativa à proposta e adiar a apreciação do projeto em plenário.

A equipe econômica já ofereceu aos servidores do Executivo civil um reajuste de 21,3% dividido em quatro anos, a partir de 2016. O governo quer fazer dessa proposta parâmetro para a negociação com o Judiciário.

Em maio, como mostrou a Folha, Dilma havia sido surpreendida ao saber que o projeto estava prestes a ser votado –e aprovado– e pediu que o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), adiasse a votação.

Nos bastidores, assessores de Dilma também reclamavam da atuação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, que enviou ofício ao Senado para falar sobre a proposta alternativa, mas não foi enfático quanto ao adiamento da votação.

Para eles, o presidente do STF "deixou o barco correr sem grandes esforços".

'INADEQUADO'

Também nesta quarta (1º), ministros do STF admitiram que, diante do cenário econômico, o momento não foi adequado para a aprovação do reajuste, mas ressaltaram que os funcionários não podem representar o "bode expiatório" do ajuste fiscal.

Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, a proposta não representa um aumento, mas uma recomposição, sendo que a categoria afirma estar sem reajuste –apenas com recomposições que não incidiram sobre a totalidade de seus vencimentos– desde 2006.

O ministro Luiz Edson Fachin defendeu cautela na discussão. "Naquilo que percebo é preciso que haja de todos os segmentos nesse momento uma compreensão da situação que as receitas públicas e os cofres estão. De modo que é preciso devagar com esse andor para não se quebrar no meio do caminho", disse.

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O REAJUSTE APROVADO NO SENADO

Alta de 53% a 78,56% (média de 59,5%), de acordo com a categoria do servidor, em quatro anos

Impacto do aumento nas contas do governo
2015 R$ 1,5 bilhão
2016 R$ 5,3 bilhões
2017 R$ 8,4 bilhões
2018 R$ 10,5 bilhões

A PROPOSTA DO GOVERNO

Reajuste de 21,3% em quatro anos, a partir de 2016


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