Folha de S. Paulo


Conversa na Câmara mostra troca de apoio por emendas

"A hora de pressionar é agora que temos votações importantes pro governo. Depois, já era!"

A frase, compartilhada em um grupo de WhatsApp, revela a montagem de uma operação na qual deputados de primeiro mandato ameaçaram derrotar o pacote fiscal da presidente Dilma Rousseff caso não fossem liberadas verbas para seus redutos eleitorais.

A Folha teve acesso às mensagens trocadas nos últimos dias pelo aplicativo. Além da sinceridade raramente tornada pública, elas mostram como os novatos assimilam rapidamente velhas práticas do Parlamento.
Criada pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), a lista "Deputados Federais Novatos" é de composição ecumênica. Há representantes de partidos nanicos, dos aliados PMDB e PC do B, dos oposicionistas DEM e PSDB, e até mesmo do PT.

"Somos 243 de 1º mandato", diz o criador numa das mensagens, ressaltando o poder de pressão dos inscritos —a Câmara tem 513 titulares.

"Amigos: criei esse grupo para trocarmos experiências e nos defendermos de determinadas tradições que visam prejudicar nossos interesses", diz ele na inauguração do fórum, há cerca de uma semana. "Nos enganaram e não vão pagar nossas emendas. [...] Precisamos nos mobilizar", conclama Nascimento.

As chamadas "emendas parlamentares" são as verbas e investimentos do Orçamento da União que deputados destinam para seus redutos.

Embora não tivessem direito neste ano, os novatos haviam recebido a promessa de ter, cada um, R$ 10 milhões para emendas. Na semana passada, porém, o governo deu sinais de que poderia não honrar o acordo por falta de dinheiro.

Os deputados, então, se viraram contra a proposta que revê a política de desoneração da folha de pagamento, medida do governo para tentar reequilibrar as contas públicas ante a escassez de recursos. A votação poderá ocorrer nesta semana.

Depois da mensagem de Nascimento, o grupo foi tomado por uma profusão de mensagens com ameaças de ação em bloco para derrotar ou atrasar a votação do projeto caso a equipe econômica não atendesse à reivindicação.

Como a de Fábio Miditieri (PSD-SE), reproduzida na abertura desta reportagem. Ou a de Aliel Machado (PC do B-PR), segundo quem a ação contra o governo "tem que ser antes de algum anúncio oficial sobre as emendas e antes dessas votações".

A discussão foi ganhando adeptos. "Bora (sic) reunir... Será que fomos vítimas de estelionato?", questiona Delegado Waldir (PSDB-GO).

Uma reunião é então convocada. "Teremos votações de alta relevância nos próximos dias. Deveríamos nos reunir para uma discussão pragmática", defende Carlos Andrade (PHS-RR). "Estarei presente, juntos somos 50% dos votos, independente de partido. Vamos mostrar essa força", reforça Aluisio Mendes (PSDC-MA).

'VAI CORINTHIA'

O ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez (SP), apesar de ser do PT, o partido de Dilma, adere ao motim: "Mas tem que avisar o presidente [Eduardo Cunha] e o governo aviso eu", afirma.

"Aí vão levar a sério a votação da desoneração. Já liga já. Vai Corinthia (sic)", responde Fausto Pinato (PRB-SP).

Os novatos rebeldes acabaram se encontrando com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para cobrar que cumprisse a promessa de campanha de viabilizar emendas não só para os reeleitos. A demanda chegou em tom de imposição ao Palácio do Planalto que, temendo uma derrota, cedeu.

Coube ao vice-presidente, Michel Temer (PMDB), coordenador político do governo, receber parte dos insurgentes e prometer sanar o problema.

O resultado da barganha foi a edição de uma regra permitindo aos calouros acesso já neste ano ao dinheiro do Orçamento.

Os deputados ouvidos pela Folha disseram sofrer pressão de suas bases eleitorais, mas negam barganhar votos em troca de emendas -embora alguns admitam o uso das votações como instrumento de pressão.

Editoria de Arte/Folhapress

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