Folha de S. Paulo


Presidentes das empreiteiras tinham 'domínio de tudo', dizem delegados

Os investigadores da Operação Lava Jato afirmam que os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, tinham "domínio de tudo o que acontecia" no esquema de pagamento de propinas na Petrobras.

Os dois presidentes das duas maiores empreiteiras do país foram presos nesta sexta-feira (19) em uma nova fase da operação que investiga o escândalo de corrupção na estatal.

"Apareceram indícios concretos, não só depoimentos, mas documentos comprovando que em algum momento eles participaram de negociações que levaram à formação de cartel e ao direcionamento de licitações", afirmou o delegado federal Igor Romário de Paula.

Para o procurador Carlos Fernando Lima, não há dúvida de que as empreiteiras "capitaneavam o esquema de cartel" dentro da Petrobras.

A PF destacou que as empresas, sendo as maiores do país, tinham "papel de destaque" no cartel. "Estamos falando da maior empreiteira do Brasil", disse o delegado Paula, em referência à Odebrecht.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, foram identificados pagamentos de propina feitos no exterior tanto pela Odebrecht quanto pela Andrade Gutierrez. Informações colhidas na Suíça, Panamá e Mônaco deram fundamentos às prisões.

Com a ajuda de colaboradores, foram identificadas empresas no exterior que eram usadas para fazer os pagamentos, além de notas. "Era um esquema com um nível de sofisticação maior", disse o procurador.

Enquanto as demais empreiteiras investigadas pagavam propina via empresas nacionais, controladas por doleiros como Alberto Youssef, num esquema "relativamente simples", segundo Lima, Odebrecht e Andrade usavam empresas offshore, em diversos países, num rastro complexo e difícil de ser identificado.

A investigação também encontrou indícios de fraude à licitação, cartel e corrupção em obras públicas fora da Petrobras, como a usina nuclear Angra 3. Os pedidos de prisão, porém, se baseiam apenas nos fatos apurados na estatal.

Os valores dos contratos investigados com a Petrobras somam R$ 26 bilhões –sendo R$ 17 bilhões da Odebrecht e R$ 9 bilhões da Andrade Gutierrez. A PF ainda não fez uma estimativa de quanto teria sido desviado, mas, considerando o percentual de 3% que era normalmente destinado a propinas, segundo as investigações, esse valor chegaria a R$ 780 milhões.

ODEBRECHT

No mandado de prisão do presidente da Odebrecht, o juiz federal Sérgio Moro apontou e-mail que indica que o executivo tinha conhecimento sobre propinas na Petrobras. Moro relatou que ações da empreiteira mostraram que a corrupção não decorria de ações individuais, mas era "política da empresa", já que, segundo ele, não fizeram nada para erradicar tais atos.

O e-mail que aponta o envolvimento do executivo foi encontrado em busca feita pela PF na sede da empreiteira em novembro de 2014. Segundo Moro, a mensagem eletrônica foi enviada pelo executivo Roberto Prisco Ramos, da Braskem –uma subsidiária da Odebrecht–, a executivos da empresa, entre eles Marcelo Odebrecht.

Segundo o juiz, o e-mail faz referência ao superfaturamento de US$ 25 mil por dia em contrato de operação de sondas, que pode ser relacionado a negócios da empresa com a Petrobras. O magistrado afirma ainda que a reação da Odebrecht às medidas da Lava Jato também indica o envolvimento dos dirigentes dela nos crimes.

A Odebrecht é a empresa mais combativa contra as decisões do juiz na Lava Jato. Os advogados da companhia também fizeram críticas públicas contra os atos de Moro.

Moro ainda citou ainda um suborno de US$ 300 mil para Pedro Barusco, feito em setembro de 2013, por uma empresa do Panamá chamada Constructora Internacional Del Sur, que o juiz liga à Odebrecht –a empreiteira sempre refutou que fosse a controladora dessa firma.

Ainda segundo o juiz, três delatores (Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Alberto Youssef) "relacionaram esses depósitos da Constructora Internacional del Sur à Odebrecht".

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Email a Marcelo Odebrecht, que está no processo como uma das principais provas contra a empreiteira
Email a Marcelo Odebrecht, que está no processo como uma das principais provas contra a empreiteira

ANDRADE GUTIERREZ

Uma das provas contra a Andrade Gutierrez, de acordo com Moro, é um depósito de US$ 1 milhão feito em dezembro de 2008 por uma empresa de Angola chamada Zagope para uma firma do lobista Mário Goes na Suíça. Goes é acusado de repassar suborno no esquema da Petrobras.

Posteriormente, Goes repassou o montante para uma conta na Suíça de Barusco. A Zagope faz parte do grupo Andrade Gutierrez, segundo os investigadores da Lava Jato.

A conta de Goes foi aberta em nome de uma empresa chamada Phad Corporation; a de Barusco tinha como titular a Blackspin.

"Portanto, há a demonstração de uma conexão direta entre a Andrade Gutierrez (Zagope), a Phad Corporation, controlada por Mario Goes, e a conta controlada por Pedro Barusco (Blackspin), com fluxo financeiro da primeira para a última", escreveu o juiz.

Moro menciona também que a fatura do pagamento de US$ 1 milhão à empresa de Mario Goes traz a anotação "antonio.pedro", "o que é indicativo do envolvimento de Antonio Pedro Campello de Souza Dias, que foi diretor da Andrade Gutierrez". Barusco disse que Antonio Pedro era um de seus contatos na Andrade Gutierrez.

O juiz relata ainda que há uma série de contratos suspeitos de consultoria entre Mario Goes e a Andrade Gutierrez. "Há fundada suspeita de que os contratos e notas não correspondem a serviços efetivos prestados pela Rio Marine [empresa de Goes] e por Mario Goes à Andrade Gutierrez, servindo apenas de veículo para propiciar o repasse de valores de propinas para o intermediador e deste para os dirigentes da Petrobras".

O lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, é apontado pela força-tarefa da Operação Lava Jato como o repassador de propina para a Andrade Gutierrez. Segundo o juiz, há provas de que a empreiteira transferiu R$ 1,19 milhão para uma empresa de Baiano.

A operação teria servido, diz o juiz, "apenas de veículo para propiciar o repasse de valores de propina da empreiteira para o intermediador e deste para dirigentes da Petrobras".

O advogado de Baiano, Nelio Machado, nega sistematicamente que seu cliente tenha recebido suborno em contratos da Petrobras.

Moro relata ainda que delatores como Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Pedro Barusco e Julio Camargo citaram o pagamento de propina pela Andrade Gutierrez em depoimentos que prestaram após fecharem acordo para ter uma punição menor.

RECADO

Segundo os investigadores, a ação desta sexta é uma extensão da sétima fase da operação, que levou à cadeia em novembro do ano passado os principais empreiteiros do país.

"A ideia é dar um recado claro de que a lei vale efetivamente para todos, não importa o tamanho da empresa, seu destaque na sociedade, sua capacidade de influência e poder econômico. Jamais isso será prerrogativa para permitir essas pessoas praticar crimes de forma impune", afirmou o delegado Paula.

"Devemos punir todos. Isso aqui é uma República, a lei deve valer para todos. Ou então não deveria valer para ninguém", afirmou Lima.

OUTRO LADO

A Odebrecht confirmou que foram cumpridos mandados de busca e apreensão em seus escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro e "alguns mandados de prisão e condução coercitiva".

"Como é de conhecimento público, a CNO [Construtora Norberto Odebrecht] entende que estes mandados são desnecessários, uma vez que a empresa e seus executivos, desde o início da operação Lava Jato, sempre estiveram à disposição das autoridades para colaborar com as investigações", afirmou.

A Andrade Gutierrez informou que presta todo o apoio necessário aos seus executivos nesse momento.

"A empresa informa ainda que está colaborando com as investigações no intuito de que todos os assuntos em pauta sejam esclarecidos o mais rapidamente possível. A Andrade Gutierrez reitera, como vem fazendo desde o início das investigações, que não tem ou teve qualquer relação com os fatos investigados pela Operação Lava Jato, e espera poder esclarecer todas os questionamentos da Justiça o quanto antes", afirmou.

Editoria de Arte/Folhapress

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