Folha de S. Paulo


Ex-relator da reforma se diz de alma lavada: 'Cunha estava se sentindo um deus'

Pedro Ladeira - 14.mai.2015/Folhapress
Marcelo Castro (PMDB-PI) lê seu relatório à comissão especial da reforma política
Marcelo Castro (PMDB-PI) lê seu relatório à comissão especial da reforma política

Relator por mais de três meses da reforma política na Câmara, o peemedebista Marcelo Castro (PI), 65 anos e em seu quinto mandato de deputado, afirmou nesta quarta-feira (27) se sentir de "alma lavada" com a robusta derrota do "distritão" de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no plenário da Casa.

"Ele estava se sentindo tão poderoso, tão capaz, que estava se dando o direito de agir como se fosse um deus que sabe o que todo mundo pensa, que sabe o que está na cabeça de cada um. Deu no que deu."

Castro foi colocado na relatoria da comissão pelo presidente da Câmara, mas acabou destituído após criticar o distritão. Chegou a ser classificado por Cunha como autor de um relatório "confuso" e carente de "inteligência política". A comissão teve o trabalho descartado e não votou um relatório.

No plenário, o distritão só teve, nesta terça, o apoio de 210 deputados, quase 100 a menos do que o mínimo necessário para a alteração do sistema eleitoral.

No momento da entrevista à Folha, Castro recebeu em seu gabinete o telefonema do senador Vadir Raupp (RO), vice-presidente do PMDB, que atuou nos bastidores contra o distritão. "Parabéns pra você também [conversando com Raupp], você ajudou muito."

Leia trechos da entrevista:

*

Folha - Como o sr. se sente após a derrota do distritão?
Marcelo Castro - Me sinto 100% desagravado, de alma plenamente lavada, acho que foi uma injustiça comigo, com a comissão [descartar o trabalho do colegiado]. Um ato desnecessário, desmotivado, desrespeitoso, arbitrário.

Folha - O atropelo à comissão influenciou o resultado?
Castro - O quanto isso influenciou eu não sei dimensionar, mas que influenciou influenciou. Porque muitos me falaram isso [13 integrantes da bancada do PMDB votaram contra Cunha].

Folha - O presidente da Câmara chegou a se desculpar com você?
Castro - Quando ele deu essa declaração [sobre a falta de inteligência política], eu o respondi através dos meios de comunicação dizendo que ele tinha escolhido o relator errado, que ele deveria ter escolhido um relator submisso à vontade dele. Nesse dia ele me ligou, se desculpou e marcou para a gente conversar no dia seguinte sobre a reforma política. Eu fui no gabinete dele, onde tivemos uma conversa bastante franca, em que eu disse a ele tudo o que pensava. Que ele havia sido o líder [da bancada do PMDB, cargo que ocupou antes da presidência da Câmara] mais democrático que já havíamos tido no PMDB. Ouvia todo mundo, distribuía tarefas, todos participavam. Por algumas vezes a ideia dele foi derrotada na bancada e ele ia para a tribuna defender a ideia da bancada, e não a dele. E uma vez na presidência ele estava se revelando uma pessoa completamente contrária a isso. Só ele era o inteligente, só ele é quem sabia, só ele é quem podia, só ele é quem fazia.

Folha - Qual foi a reação dele?
Castro - Ele disse que não era aquela a intenção dele, é que o relatório da comissão não espelhava a vontade do plenário. E ai eu brinquei: 'Como você sabe o que o plenário pensa'? O que estava atrás desse pensamento dele é que ele estava se sentido tão poderoso, tão capaz, que ele achava que sabia mais o que o plenário pensa do que a comissão. Ele estava se sentindo tão poderoso, tão capaz, que ele estava se dando o direito de agir como se fosse um deus, que sabe o que todo mundo pensa, o que está na cabeça de cada um. Deu no que deu.


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