Folha de S. Paulo


Análise

Cunha provou do próprio remédio

A dupla derrota de Eduardo Cunha demonstra os limites do poder do presidente da Câmara dos Deputados, ainda que seja obviamente apressado dizer que estamos diante de uma nova fase na relação de forças no Congresso. Cunha já foi derrotado em outras ocasiões, como líder do PMDB, e está onde está.

No caso da rejeição ao chamado distritão, a derrota deu ao peemedebista fluminense uma dose reforçada do remédio que vem aplicando desde que foi eleito para administrar sua influência.

Explico. Cunha sempre se fiou na imagem de "presidente do sindicato dos deputados". Ao prometer benesses aos pares e de fato resgatar –para bem e para mal– um grau inédito de independência da Casa em relação ao Executivo, o deputado cimentou sua autoridade.

Só que, como no sindicalismo da vida real, o jogo bruto assusta mesmo os apoiadores. A "tratorada" para levar sua reforma política a voto causou uma reação, ironias da vida, corporativa a Cunha. O mapa de votação, confuso à exceção da orientação petista, mostra bem isso.

Já a derrota na discussão do financiamento de campanha, que ainda poderá ter mais um "round" nesta quarta-feira, vem da insatisfação instalada e da dificuldade de se fazer a defesa pública das doações privadas em um ambiente de denúncias diárias de irregularidades. Poucos têm a coragem de apoiar de forma articulada o mecanismo, demonizado nos círculos ditos esclarecidos.

O PT, maior adversário do peemedebista, comemora enfim alguma vitória no Legislativo. Sinal dos tempos, a celebração tem de ser contida no Palácio do Planalto.

Afinal de contas, o distritão é uma invenção do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), que bolou a panaceia como forma de conter as ideias petistas para o eterno tema da reforma política. E Temer, bom, ele é o chefe da articulação do governo da petista Dilma Rousseff, e não exatamente um parceiro belicoso como Eduardo Cunha.

Se perdeu com o distritão na Câmara, o vice ganhou com o avanço inicial do ajuste fiscal do outro lado do Congresso, no Senado. Ao longo da terça (26), sua previsão de vitória foi posta à prova por oposição e situação, mas ao fim provou-se correta –e, se apertada, não tanto quanto alguns senadores apostavam.

Para o governo, aí sim um motivo claro para comemoração, já que a vitória dá algum oxigênio para o ministro Joaquim Levy (Fazenda), que vive seu pior momento desde que foi ungido interventor da área econômica. Ao menos até o próximo embate no plenário.


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