Folha de S. Paulo


Consultoria trabalha para CPI e empresa investigada

A Câmara dos Deputados ignorou um conflito de interesses ao contratar a consultoria Kroll, especializada em investigações, para trabalhar para a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga o esquema de corrupção descoberto na Petrobras.

A Kroll foi contratada sem licitação por cerca de R$ 1 milhão para rastrear contas no exterior de personagens envolvidos no esquema. A contratação foi articulada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Mas um dos focos da investigação da CPI, a empresa Sete Brasil, já tinha contratado a Kroll no ano passado para um trabalho de auditoria.

Criada com apoio da Petrobras para viabilizar a construção de sondas para a exploração do pré-sal, a Sete Brasil virou alvo de suspeitas depois que o delator Pedro Barusco, ex-gerente da estatal, disse que também recebeu propinas no período em que foi diretor da Sete Brasil

Irregularidades nos negócios da empresa são mencionadas expressamente entre os objetos da CPI no requerimento que levou à sua criação. Assim, a Kroll trabalha para uma CPI que investiga uma empresa para a qual já trabalhou. Pode, eventualmente, ter que rastrear contas de pessoas ligadas à Sete.

Hoje, somente a cúpula da CPI sabe quem são os alvos da Kroll, porque o assunto é mantido sob sigilo. Nem os demais integrantes da comissão possuem a informação.

A possibilidade de conflito de interesse foi discutida no processo de contratação da Kroll, que é mantido sob sigilo também. Mas isso foi considerado irrelevante pelo presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB-PB), que deu aval ao contrato mesmo assim.

Sua autorização faz parte do processo, que ainda passou pela área jurídica da Casa, que também deu o seu aval, segundo Motta. Não houve participação de Eduardo Cunha nessa análise. À Folha Cunha disse que os contratos são de responsabilidade da diretoria-geral da Câmara.

De acordo com a Sete Brasil, a Kroll foi contratada pela empresa para "examinar a contratação de seguros" das sondas a serem construídas. O valor do contrato e detalhes sobre os serviços prestados não foram informados.

CONTRADIÇÃO

Há uma contradição com a versão de Hugo Motta. Segundo ele, a Kroll trabalhou para a Sete Brasil vasculhando a vida de Barusco, o que a empresa nega. Como Barusco também é investigado pela CPI, ele disse à Folha não ter visto conflito de interesses.

A atuação da Kroll pode beneficiar diretamente Cunha e outros políticos investigados na Operação Lava Jato. A empresa está rastreando recursos movimentados por delatores no exterior que eventualmente não tenham sido informados às autoridades em seus termos de colaboração premiada.

Se a Kroll achar algo errado, a credibilidade das delações poderia ser posta em xeque e a descoberta favoreceria os políticos investigados. Caberia à Justiça avaliar se as provas decorrentes dessas delações permaneceriam lícitas.

O doleiro Alberto Youssef, um dos delatores, apontou Cunha como um dos políticos do PMDB beneficiados pelo esquema de corrupção descoberto na Petrobras, mas ele nega relação com o caso.

A atuação da Kroll tem sido questionada por integrantes da CPI, que tinham exigido uma licitação e agora reclamam não saberem quem são os alvos da investigação.

No passado, funcionários da Kroll foram acusados de violar o sigilo pessoal e empresarial de adversários políticos do banqueiro Daniel Dantas. Em 2012, Dantas foi absolvido pela Justiça, mas funcionários da empresa foram condenados por formação de quadrilha. Houve recurso contra as condenações, de acordo com a Kroll.

OUTRO LADO

O presidente da CPI da Petrobras, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), confirmou ter desconsiderado o conflito de interesses e disse que a comissão investiga "integrantes" da Sete Brasil, não necessariamente a empresa.

"O que a CPI está investigando sobre a Sete Brasil são integrantes da empresa. Não tem nenhum tipo de conflito", afirmou o peemedebista.

Ele ainda disse que a Sete Brasil havia contratado a Kroll para investigar Barusco. "É praticamente a mesma coisa que ela está fazendo [para a CPI]", afirmou.

A Sete Brasil, porém, informou que a Kroll atuou na análise de contratos de seguros para sondas, uma prática corriqueira sem nenhuma relação com os fatos investigados na Operação Lava Jato.

O setor jurídico da diretoria-geral da Câmara dos Deputados foi procurado, mas informou que não poderia se pronunciar devido ao caráter sigiloso do processo. Recomendou que a Folha falasse com o presidente da CPI.

Procurado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que os contratos passam pela diretoria-geral e que não participa deles. Ele também nega relação com o esquema de corrupção da Petrobras e acusa o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de investigá-lo por uma "querela pessoal".

A Kroll informou que não comenta a identidade de seus clientes nem detalhes sobre suas investigações.

Em relação às polêmicas envolvendo Daniel Dantas, a empresa disse que ocorreram há mais de uma década e que não foi ré no caso. Informou ainda que, desde aqueles fatos, a empresa passou por "significativa mudança, inclusive nova composição acionária e uma nova liderança no Brasil".

Editoria de Arte/Folhapress

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