Folha de S. Paulo


Querem pegar a Odebrecht, mas não fizemos nada, diz executivo do grupo

Apesar da torcida dos investigadores e de alguns concorrentes para que a Odebrecht caia de vez na rede da Operação Lava Jato, um dos principais executivos do grupo afirma que a companhia é diferente das outras empreiteiras –que têm ou tiveram diretores encarcerados pela Polícia Federal em Curitiba.

"Está todo mundo esperando pelo momento em que vão nos pegar. Não fizemos nada errado. Nossa postura é diferente", diz Fernando Santos-Reis, presidente da Odebrecht Ambiental, empresa de saneamento do grupo, com faturamento de cerca de R$ 3 bilhões no ano passado.

Primeiro dirigente da Odebrecht a falar abertamente sobre as acusações de que o grupo participava do esquema de corrupção da Petrobras, Santos-Reis nega o pagamento de propina.

Afirma que a Odebrecht tirou lições com escândalos do passado, como a CPI dos "Anões do Orçamento", que em 1993 também investigou empreiteiros por corrupção.

Nesta entrevista, Santos-Reis diz também que a crise da água no Sudeste abriu oportunidades de negócios para as empresas do setor, mas que novos investimentos esbarram na crise econômica, na falta de crédito e na "sombra da Lava Jato".

Karime Xavier/Folhapress
O presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Santos-Reis, em entrevista
O presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Santos-Reis, em entrevista

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Folha - Investigadores da Operação Lava Jato e até executivos de outras construtoras acham que mais cedo ou mais tarde vão aparecer pagamentos de propina da Odebrecht.
Fernando Santos Reis - É verdade, parece que está todo mundo esperando pelo momento em que vão pegar a Odebrecht. Tem gente que diz: 'Vocês ainda não foram pegos'. Não fomos pegos porque não fizemos nada errado.

Não será porque o nome do grupo foi citado várias vezes nas delações ao Ministério Público?
Os delatores de outras construtoras falaram, no máximo, que fazíamos parte do clube. Mas que clube é esse?

O presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, afirmou em depoimento que a Odebrecht liderava o tal clube das empreiteiras.
Há oito anos tenho me dedicado exclusivamente à Odebrecht Ambiental. Mas, como integrante há mais de duas décadas da organização, desconheço qualquer coisa que sustente essa afirmação, que diz respeito à Construtora Norberto Odebrecht, com quem a Camargo Correia por sinal nunca teve boa relação, vide a briga de Santo Antônio e Jirau [concessões de hidrelétricas que disputaram na região Norte].

O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa disseram que a Odebrecht pagava propina.
São réus confessos, que já mudaram algumas vezes suas versões. O que ninguém fala é que esta não é a primeira vez que ficamos fora [de escândalos].
Naquele caso envolvendo um empresário chamado Adir Assad [acusado de lavar dinheiro de grandes empreiteiras], apareceram nomes de várias construtoras. O da Odebrecht, não. Na lista de contratos com José Dirceu apareceram todas, e nosso nome também não estava ali.
Nós não temos esse tipo de relação. A nossa postura é diferente. Nós contribuímos com campanha, sim, mas na legalidade. Aprendemos com as lições do passado.

Que lições?
A crise de 1993, dos "Anões do Orçamento" [CPI que investigou empreiteiros por pagamento de propinas para garantir verbas no Orçamento da União]. Passamos por crises lá atrás e hoje temos uma conduta diferente porque aprendemos com elas.

Marcelo Odebrecht enviou uma carta aos funcionários pedindo que defendam o grupo das acusações da Lava Jato. Precisam tanta gente para se defender?
O que o Marcelo diz muito claramente é que a gente se coloque para evitar uma distorção da realidade. Por exemplo: um dos delatores disse que uma empresa chamada Constructora Del Sur era nossa e estava envolvida em irregularidades.
Parece que foi aquele rapaz dos US$ 100 milhões, o Barusco [Pedro, ex-gerente da Petrobras, que declarou ter desviado US$ 100 milhões]. Todo mundo passou a repetir, só que essa empresa não é nossa, nunca foi. Nossa preocupação é essa, que se façam distorções.

Mas a sua unidade, a Odebrecht Ambiental, é investigada pela CGU [Controladoria Geral da União].
Única e exclusivamente pelo nome. A CGU não sabe por que está investigando. Fez isso porque fomos incluídos num grupo de empresas que, desde dezembro, está impedido de trabalhar com a Petrobras. Mas a gente nunca pagou propina.

Como a Operação Lava Jato afetou a empresa?
A Petrobras não nos chamou para participar de três ou quatro licitações que nos interessavam, também deixamos de fazer o tratamento da água usada nas plataformas da empresa.
Em novembro, estávamos para fazer uma captação com um grande fundo estrangeiro, o Blackstone. Quando fizeram as operações de busca e apreensão [na sede da Odebrecht], o fundo, alegando risco reputacional, cancelou. Acabamos captando com investidores locais. Eram R$ 350 milhões.

Quais são os planos agora?
Nosso desafio é sair para o exterior. Em janeiro assinamos um contrato para operar água e esgoto para 1 milhão de habitantes na província de Benguela, em Angola. Vamos fazer uma proposta no México e estamos prospectando negócios no Peru.

E no Brasil?
Hoje vivemos um paradoxo. Tivemos nosso melhor ano em 2014, temos a crise hídrica, que representa uma grande oportunidade. Por outro lado, temos uma superposição de crises: uma crise fiscal, com a diminuição da capacidade de investimentos de Estados e municípios, uma crise de crédito e uma sombra da Lava Jato sobre todo o setor de infraestrutura.

A crise de escassez de água no Sudeste pode fazer os preços subirem?
O que deveria subir é o preço da água industrial e comercial. A ordem de preferência no uso da água tem que ser o consumo humano, depois o agrícola e, por último, o industrial.
Hoje, principalmente em São Paulo, a indústria e o comércio acabam tendo vantagem. Eles são bons clientes, consomem muito, e a companhia de saneamento dá a eles um desconto.
Aumentando o preço, você incentiva a industria a racionalizar o uso da água e fazer modelos de captação mais racionais. Se a água for barata, ele vai naturalmente desperdiçar. É uma das grandes contradições no Brasil.

O que tem sido feito na Grande São Paulo para incentivar a economia de água nas residências é pouco?
Eu acho. Nas cidades que operamos existe uma forte campanha de conscientização da população para o controle da demanda, que vai além da taxação e do bônus. Mesmo sem bônus ou taxação, reduzimos 20% do consumo. Todo mundo sabe quanto paga pelo celular ou pelo ônibus. Mas quase ninguém sabe o quanto paga pela água, porque ela tem um peso muito pequeno na cesta familiar.

São Paulo tem água garantida no futuro?
Longe de mim querer criticar a Sabesp [empresa de água e esgoto de SP]. Não sei o que ela está fazendo em relação à redução de perdas e aumentar eficiência do seu sistema.
Neste momento, contar só com chuva e trabalhar com a construção de grandes sistemas não é o mais eficiente. Isso não muda o patamar de consumo. O investimento mais eficiente que ela pode fazer, com certeza, é um programa intensivo de redução perdas e aumento de eficiência, que é algo que se pereniza.
A solução está no cuidado com a água. E não incorrer na contradição de pedir que o usuário tenha cuidado com a água, enquanto o concessionário não tem.


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