Folha de S. Paulo


João Paulo Cunha lança livro de poemas escrito na prisão

Condenado a seis anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e peculato, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha lança nesta terça-feira (7), em Brasília, "Quatro & outras lembranças", livro de poemas escrito enquanto cumpria pena na penitenciária da Papuda desde fevereiro do ano passado.

Em regime semiaberto, o petista trabalhava durante o dia em um escritório de advocacia, mas precisava dormir na prisão. Segundo amigos, preferiu aproveitar as horas da noite para ler mais de 60 livros e escrever à mão os versos que deram origem à sua primeira obra publicada.

Nas 116 páginas, nenhuma palavra sobre política ou sobre o processo e julgamento do mensalão. Nenhuma citação, nome ou acusação objetiva. Mesmo a referência aos dias na cadeia aparecem em apenas um ou outro verso.

João Paulo, como é chamado entre os petistas, escolheu escrever sobre amor, saudade, morte, vingança, despedida, entre outros temas.

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 24-02-2015, 13h00: Cercado de correligionários que faziam sua segurança, o ex-presidente da câmara e condenado no processo do mensalão João Paulo Cunha chega à VEP (Vara de execuções penais) para se apresentar ao juiz. Ele migra do regime semi aberto para o domiciliar. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
João Paulo Cunha (de azul) chega a Vara de Execução Penal em Brasília para se apresentar a juiz

No entanto, o livro não deixa de fazer uma reflexão de como o período em que esteve preso o impactou.

"[...] queria de novo conhecer a vida. Tinha errado uma vez. Quem controla o número de chances a que um homem tem direito?", questiona em um de seus poemas.

O ex-presidente da Câmara vai ganhar 10% das vendas em cima do preço de capa do livro editado pela Topbooks, que deve custar R$ 37.

João Paulo cumpre prisão domiciliar em Brasília desde fevereiro e explica que o nome do livro faz referência ao dia de sua prisão: 4 de fevereiro de 2014, contado em um dos versos. "[...] e pude ver o ciclo da vida da paz que passou um dia na porta de minha casa, da ilusão que deixei quando os corpos esquentaram e do dia quatro em que me tiraram tudo", diz outro trecho do livro.

Os textos são divididos em 13 partes, o número oficial do PT.

João Paulo sempre disse que é inocente das acusações e que foi vítima de injustiça. Ele se ressente até hoje do comportamento que diz ter recebido do ex-presidente Lula e do PT.

Para João Paulo, José Dirceu e José Genoino, também condenados e presos no mensalão, tiveram mais respaldo do partido e de Lula, mesmo nos bastidores.

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Leia trechos de poemas de João Paulo Cunha:

Ofereci meus ombros.
Como escada ele subiu.
Minhas mãos tocaram a música dos seus sonhos. Ele dançou.
Enxuguei seu rosto do suor do meu trabalho.
Abri a porta para ele passar.
Na hora da porrada a cara era minha.
Fui seu irmão seu amigo e companheiro.
De braços dados caminhamos. Seu sofrimento foi o meu choro.
(...)
Um dia encontrou comigo. Me deu um beijo.
Virou as costas e partiu. Lembrei de Jesus e as 30 moedas.

*

Como sofro nos dias atuais.
Quase não vivo. Me arrasto!
Vivo pelas tabelas da vida jogado de lá pra cá.
Sou quase um morto e meio que vivo.
Carrego uma dor atroz. Eterna!
No peito contorcido,
na língua amarga,
nas costas pesadas e na alma triste e melancólica,
que insiste em resistir,
descubro a fuga para frente.

*

Do ovo
um gosta da clara
o outro gosta da gema.
No amor um se declara
o outro vai ao cinema.


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