Folha de S. Paulo


Os protestos não foram unânimes, afirma historiador

Para o historiador Daniel Aarão Reis, 69, as manifestações do último domingo não foram "unânimes" nem "monolíticas", e que nas ruas, além de várias tendências de direita, estiveram também "segmentos do centro".

Professor de história contemporânea da UFF (Universidade Federal Fluminense), ele acredita que o Brasil pode estar entrando "num ciclo de manifestações sociais, de direita e de esquerda".

Aarão Reis conversou com a Folha na quarta (18), de Belo Horizonte, onde lançava a biografia de Luís Carlos Prestes, seu último livro.

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Folha - O que explica os protestos de domingo? 

Daniel Aarão Reis - Há muitos fatores. Destacaria um enorme desgaste, uma certa saturação, por parte de muita gente com o PT e com o governo Dilma. Politicamente, foi uma descida às ruas de várias tendências de direita e de gente que se situa mais ao centro do espectro político.

As direitas não vinham para a rua desde a conjuntura pré-golpe de 64. É verdade que segmentos de direita estiveram nas manifestações de junho de 2013, mas aí estiveram misturados com tendências de esquerda. Agora, não. As manifestações, mesmo contendo segmentos de centro, foram basicamente de direita, embora faça questão de flexionar o termo no plural: temos uma extrema-direita, uma direita moderada e até uma direita democrática.

O preocupante foi ter visto expressões antidemocráticas como a intervenção dos militares, embora minoritárias, se tornarem ostensivas sem receber crítica. Outro aspecto relevante e inteligente do ponto de vista dos manifestantes foi eles terem assumido as cores nacionais, o hino e o símbolo da bandeira. Considerando-se o profundo nacionalismo que existe no país, contaminando todas as classes sociais, foi um um gol a favor.

O Datafolha mostrou pessimismo da população com a economia e a avaliação do governo é cada vez pior. O governo e o PT perderam as ruas? 

Dirigentes do PT e o próprio Lula têm reconhecido que o PT tornou-se um partido de gabinetes. É uma forma suave de caracterizar o extremo burocratismo que avassalou o partido, fenômeno que não é de hoje. Agora, dizer que perderam as ruas é ir um pouco longe demais.

É importante observar que os segmentos mais radicais dos movimentos populares vão adquirindo uma dinâmica própria. Podem até, se houver possibilidade, negociar e instrumentalizar o PT e o governo, mas já não confiam neles, e, realmente, não tem razões para confiar, principalmente depois desta virada espetacular dada por Dilma. Depois de eleita, incorporou as propostas da oposição que eram, na campanha, demonizadas. Uma incongruência que vai ter, já está tendo, um custo alto.

Junho de 2013 foi um movimento meio anárquico, com diferentes pautas. Agora, as pessoas foram às ruas com um discurso direcionado contra Dilma e PT. O que aconteceu? 

Não diria que foi um movimento anárquico. Acho que foi plural, com objetivos dispersos, sem ter tempo histórico para forjar organizações próprias. O principal foi ter feito as gentes discutirem sua situação e a política do país.

Quanto às manifestações de domingo, evidenciaram também um distanciamento claro de segmentos consideráveis das classes médias em relação ao PT e ao governo. Dada a importância social e política destas classes, vai ser necessário que partidários e adversários das manifestações reflitam melhor.

Talvez o país tenha entrado num ciclo de manifestações sociais, de direita e de esquerda. Hoje as manifestações em vários Estados dos sem-teto mostraram que não apenas as classes médias vão tomando gosto por uma visão participativa. Vai ser preciso muita tolerância para que estas manifestações fortaleçam e não enfraqueçam nossa ainda frágil democracia.

É importante ter a noção das nuanças. Não foram manifestações unânimes, nem monolíticas.


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