Folha de S. Paulo


Acusados de matar cinegrafista deixarão presídio sem tornozeleira

Os acusados de terem acendido o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, em fevereiro do ano passado, receberam, no final da tarde desta quinta-feira (19), permissão da Justiça do Rio para serem liberados da prisão sem a necessidade de monitoramento com tornozeleira eletrônica.

Caio Silva de Souza e Fábio Raposo estavam presos preventivamente no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, há pouco mais de um ano enquanto corria o julgamento no Tribunal de Justiça do Rio. Nesta segunda (18), desembargadores da 8ª Câmara Criminal do TJRJ (Tribunal de Justiça) concederam liberdade aos acusados.

Os desembargadores, no entanto, impuseram algumas restrições, como o uso de tornozeleiras eletrônicas, a proibição de deixar o Estado do Rio durante o curso do processo, não participar de manifestações públicas e nem manter contato com manifestantes adeptos da tática black bloc.

Os réus deixariam a carceragem nesta quinta-feira, mas não puderam porque a tornozeleira está em falta no Estado do Rio. No início da noite, os desembargadores autorizaram que eles fossem soltos e fiquem sem a tornozeleira, ainda que temporariamente. Como as suas saídas estão condicionadas à chegada de um oficial de Justiça na prisão com a nova ordem e como a praxe de só se liberar presos até as 20h, a previsão é que, a falta do equipamento postergou a liberdade dos réus em um dia.

Carlos Moraes/Agência O Dia/Daniel Marenco/Folhapress
Caio de Souza e Fábio raposo, acusados da morte de cinegrafista, irão para júri popular
Caio de Souza e Fábio raposo, acusados da morte de cinegrafista, irão para júri popular

De acordo com a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), as tornozeleiras eletrônicas estão em falta desde de 6 de dezembro no Estado do Rio. O motivo é o não pagamento pelo Governo do Estado dos equipamentos à empresa fornecedora do equipamento e do serviço de monitoramento.

De acordo com o "Portal de Transparência" do governo estadual, o último pagamento à empresa Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados foi referente ao mês de junho do ano passado. A partir de dezembro a companhia interrompeu o serviço. Nem a Seap nem o Governo do Estado esclareceram se aqueles que já se encontram com o equipamento continuam sendo monitorados por GPS.

Segundo a Seap, há no Estado do Rio 1.165 detentos que usam as tornozeleiras eletrônicas. Cada um dos equipamentos custa R$ 650. Procurada, a secretaria de Fazenda do Estado informou, por meio de nota, que os pagamentos ao fornecedor deverão ocorrer "o mais brevemente possível".

O não pagamento foi creditado à crise fiscal que vive o Estado do Rio. "As finanças fluminenses estão sofrendo forte impacto com a redução dos preços do petróleo, a crise da Petrobras e a desaceleração do crescimento econômico do país", diz a nota.

A defesa dos réus condenou a falta de equipamento. O advogado Wallace Martins, que, ao lado de Antônio Pedro Melchior, defende Caio de Souza classificou como "falta de respeito" com os réus beneficiados pela liberdade.

Já o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, o defensor Emanuel Queiroz, classificou o caso como "absurdo, mas rotineiro no dia a dia da defensoria".

JULGAMENTO

A liberação de Souza e Raposo atende a recurso interposto pela defesa para que fosse desconsiderada a primeira imputação aos réus, de homicídio doloso (quando há intenção de matar) triplamente qualificado: por motivo torpe, sem possibilidade de defesa pela vítima e com o uso de explosivos. Os crimes levariam os réus a júri popular, com penas que poderiam superar oito anos.

Os desembargadores entenderam –por dois votos a favor e um contra– que não houve intenção de matar o cinegrafista. Nesse caso, há duas possibilidade: o Ministério Público reapresenta a denúncia em outros termos ou recorre às instâncias superiores, no caso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal). O Ministério Público já se manifestou que irá recorrer.

A defesa entende que eles poderão ser denunciados, no futuro, por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) ou explosão seguida de morte, ambos crimes que levariam a sentenças máximas de prisão de três anos, sem necessidade de júri popular. O Ministério Público argumenta, contudo, que os dois assumiram o risco de matar quando acionaram o rojão que depois atingiu o cinegrafista e deveriam ser julgados como dolo eventual.

A filha de Santiago, Vanessa Andrade, criticou a decisão da Justiça e fez um desabafo, na noite da última quarta-feira, em seu perfil no Facebook. "Santiago Andrade morreu pelo simples fato de estar mostrando ao país o que vocês acharam que seriam capazes com os rostos escondidos. Meu pai salvou cinco vidas, meu pai é o meu orgulho, meu pai descansa em paz. Eu me pergunto agora: quem tem orgulho de vocês?", indagou ela aos réus.

Vanessa disse respeitar a decisão dos desembargadores, mas lamentou não pensar como eles. "Lamento não ser como os defensores [da lei], que perdoam dois assassinos, que transformaram em noites os dias de uma família com um simples voto. Se Caio e Fábio estão livres, lamento mais ainda desapontá-los, mas a minha batalha continua, até a última instância, estou preparada".


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