Folha de S. Paulo


'Dilma está vivendo o mesmo que FHC antes', afirma cientista política

A cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, 67, vê na atual crise política uma manifestação de vitalidade da democracia brasileira.

Professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Argelina diz que qualquer país do mundo, diante de um cenário de deterioração econômica e crise provocada por um escândalo de corrupção, passaria por dificuldades.

PhD em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), ela alerta para a banalização do impeachment e diz que o PT não ajuda na solução da crise ao chamar de golpistas os que vão às ruas.

Apu Gomes/Folhapress
A professora Argelina Figueiredo em entrevista à Folha
A professora Argelina Figueiredo em entrevista à Folha

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Folha - O que acontece no Brasil?

Argelina Cheibub Figueiredo - Crise econômica e um enorme escândalo de corrupção numa empresa como a Petrobras, que é muito simbólica para os brasileiros. Essas duas coisas colocariam qualquer governo, em qualquer democracia, avançada ou não, consolidada ou não, em dificuldade.

A situação econômica é pior tendo em vista os antecedentes. Foram dez anos de crescimento.

O fato de Dilma ter adotado a política econômica do adversário não piora o cenário?

Influencia, mas não é novidade. Essa política econômica não é do Aécio, é a política de qualquer governo que tivesse responsabilidade. Não quero tirar o fato de que houve estelionato eleitoral, mas deveríamos dividir as reações nas camadas da população. Ainda não estamos acostumados com a disputa de classes no Brasil.

Essa disputa está evidente?

Ficou nas últimas eleições. Aumentou o número de simpatizantes do PSDB. Não é mais só da classe alta, que é a base principal do partido. A grande camada da população beneficiada pelo PT também vai sentir o efeito da economia e o núcleo dos opositores ativos pode aumentar. O que está acontecendo com Dilma aconteceu com FHC após 1998. Exatamente a mesma coisa. A decisão sobre a desvalorização do real estava tomada, não foi dita e depois houve o que a gente sabe [o PT defendeu o impeachment de Fernando Henrique]. A popularidade dele também despencou.

A sra. vê semelhanças entre este e aquele movimento?

Sim, mas com atores diferentes. Tem a ver com quem está no poder. O PT não tinha a menor condição de levar aquilo adiante, era mais uma bravata. E era tratado como tal pela imprensa.

Agora a correlação de forças é diferente.

Muito diferente. A oposição hoje é muito mais forte. Ela tem relação com a imprensa, com setores produtivos da sociedade. Há muitos apoios externos. O PT era um partido de esquerda radical.

Naquela época, o pedido de impeachment morreu por inanição. E agora?

Um político [o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)] disse que queria sangrar Dilma, mas ela está sangrando desde o ano passado. Isso mostra a força da democracia que a gente construiu. Não há crise institucional. O Congresso não está parado, há uma CPI em funcionamento. É um indício de que as coisas não estão desarranjadas.

Se o Congresso continuar tomando decisões e as coisas continuarem correndo, vai estancar um pouco a crise e, se não aparecer nada relacionado à presidente, esse papo de impeachment vai morrer. A relação entre o governo e o Congresso ainda tem recomposição.

A articulação política está mal feita e há radicalização, mas é positivo o PSDB dizer que não há razão para o impeachment. O impeachment é um recurso legítimo no presidencialismo, mas não deve ser banalizado. Esse processo não é bom para ninguém, nem para a oposição.

Como lidar com a falta de traquejo político da presidente?

Como dizia Maquiavel, quando a fortuna é pouca, a habilidade é importante. O momento demanda uma habilidade política maior. Se Dilma não tem, agrava a situação. Mas a situação não é decorrente da atitude dela. Dilma está agindo melhor do que o PT. Sobre a manifestação deste domingo, ela disse que era legítimo numa democracia. Claro que todo governo se preocupa com isso, mas esse papo do PT de golpe, essa insistência em dizer isso, não ajuda.

Mapa dos protestos de março de 2015; Crédito Rubens Fernando/Editoria de arte/Folhapress


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