Folha de S. Paulo


Advogado não é membro de quadrilha e deve ser recebido, diz Cardozo

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta quinta-feira (19) que "advogado não é membro de quadrilha" por defenderem acusados e que é dever das autoridades recebê-los em caso de suspeita de ilegalidades no processo.

"Não aceito a criminalização de advogado. As autoridades têm sim que receber advogados, e se um advogado fizer uma proposta indevida, que tomem as medidas judiciais cabíveis."

A declaração ocorreu depois que Cardozo se reuniu com advogados de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal, órgão subordinado ao Ministério da Justiça.

"Vi recentemente um parlamentar dizer: o ministro da Justiça não pode receber membros de quadrilha. Considero isso uma ofensa aos advogados do Brasil. Advogados que advogam para clientes que estão sendo investigados, não são membros de quadrilha por serem advogados. É repugnante", afirmou, após entrevista coletiva sobre acidentes nas rodovias federais.

"Eu recebi ao longo do tempo muitos advogados representando contra operações da Polícia Federal. Recebi advogados que recorreram de decisões disciplinares, de decisões minhas anulando licitações do Ministério da Justiça. Continuarei recebendo advogados, com todas as cautelas formais, porque a lei determina assim", disse.

ACASO

Ainda em resposta às críticas, Cardozo disse que só houve um encontro com defensores de uma das empresas investigadas na operação, a Odebrecht, o qual só ocorreu "após representação formal".

Segundo ele, o encontro com o advogado Sérgio Renault, da UTC, de quem afirma ser amigo "há 30 anos", ocorreu por acaso.

Segundo o ministro, o encontro ocorreu por apenas três minutos. "Conversamos com a porta aberta, e não falamos nada sobre a Lava Jato", rebateu.

Acusado de omitir os compromissos na agenda oficial do ministério, Cardozo argumentou que não era o caso de citar o encontro. "Não posso registrar na agenda uma reunião que não houve. Se alguém quer inventar que teve, é porque tem alguma razão para isso", afirmou.

"Se o dr. Sérgio Renault tivesse me pedido [uma audiência], eu a faria. Apenas registraria na agenda e tomaria as cautelas formais que tomei no outro caso", disse, referindo-se à reunião com responsáveis pela defesa da Odebrecht.

Ele nega que a reunião, que diz ter sido registrada em ata, tenha tratado de assuntos que pudessem interferir na operação. "Em nenhum momento tocou-se na possibilidade do governo ajudar na libertação de presos ou em avaliação judicial minha do que poderia acontecer no futuro, ou de que pessoas poderiam estar envolvidas em uma delação premiada da qual não tenho conhecimento."

De acordo com Cardozo, a reunião com a Odebrecht tratou de dois temas. O primeiro foram queixas de vazamentos de informações, conforme já revelado em artigo da advogada Dora Cavalcanti, publicado na Folha.

"Diz a empresa Odebrecht que ao longo da Lava Jato havia vazamentos ilegais que atingiam a empresa, e que isso qualificava uma clara ofensa à lei. A quem deveria ser feita a representação: ao juiz? Não. Ao ministro da Justiça, a quem a Polícia Federal está subordinada", disse.

Já o segundo tema se refere a outro órgão do Ministério da Justiça "no âmbito da colaboração internacional", afirmou o ministro, que evitou dar detalhes sobre o caso.

E disse que está disposto a prestar explicações no Congresso. "Te digo: irei com prazer. Não precisa nem me convocar. Convidado, eu vou."

AGENDAS OCULTAS

Cardozo atribuiu ainda à falhas no sistema de agenda o fato de não ter compromissos divulgados em 80 dias do último ano, conforme divulgado pela Folha, e disse que as mudanças devem ocorrer ainda nesta semana.

"Os compromissos que foram alterados exigem uma reinclusão na agenda. E por alguma razão o sistema não reincorporou. Foi um erro infelizmente do setor de informática, que não fez os ajustes que era preciso fazer", disse.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

1 - O ministro da Justiça manda na PF?

Formalmente, a Polícia Federal é um departamento subordinado administrativamente ao Ministério da Justiça. Mas a pasta não tem poderes para interferir diretamente em suas atividades de polícia judiciária, como as investigações da Operação Lava Jato, que são acompanhadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

2 - O ministro tem acesso às informações dos inquéritos?

O ministro não deve ter acesso a investigações em curso, mas pode solicitar informações sobre fatos já tornados públicos, como qualquer cidadão. Em algumas operações policiais, o ministro é avisado poucas horas antes da ação ocorrer.

3 - O ministro pode mandar a Polícia Federal abrir uma investigação ou interferir em seu andamento?

O ministro pode pedir o início de apurações de crimes de competência da Polícia Federal, mas, uma vez iniciadas as investigações, não lhe cabe interferência.

4 - O ministério guarda registros formais dos encontros do ministro com advogados?

A Folha questionou quantos advogados em situações semelhantes à da Odebrecht foram recebidos e se há atas de tais encontros, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.

5 - O ministro é obrigado a atender os advogados sempre que eles têm uma queixa a fazer contra a Polícia Federal?

Em tese não, uma vez que as reclamações podem ser enviadas à corregedoria das polícias, que está ligada a uma das secretarias do ministério. O Estatuto da Advocacia afirma que os advogados têm direito de "reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade", contra eventuais ilegalidades. O decreto da Presidência que disciplina as audiências com agentes públicos, assim como o Código de Conduta da Alta Administração Federal, não especifica critérios de prioridade para atender a pedidos de audiência. A Folha questionou o Ministério da Justiça se haveria obrigação de o ministro receber os advogados e se há algum critério para agendar os recebimentos, mas não obteve resposta a essas questões até a conclusão desta edição.

6 - Qual a relação do ministro com a Procuradoria-Geral da República?

O Ministério da Justiça é um órgão do Poder Executivo, subordinado à Presidência da República. O Ministério Público Federal é uma instituição independente, com autonomia garantida pela Constituição. Não há relação hierárquica entre o ministro e o procurador-geral da República, mas Cardozo exerce atualmente o papel de principal interlocutor político do procurador-geral no governo.

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